Contra o capitalismo, o seu governo e a sua UE. Por uma Europa dos trabalhadores e um mundo socialista

ASI em Portugal
Por ASI em Portugal

As eleições legislativas de 10 de Março deixaram um sabor amargo na boca de muitos neste ano comemorativo dos 50 anos da Revolução de Abril. O crescimento eleitoral da extrema-direita e a atividade de grupos fascistas são reflexo da degradação das condições de vida em Portugal que causaram uma radicalização da pequena-burguesia à direita e um aumento palpável do descontentamento popular. Este não encontrou uma alternativa combativa à esquerda, dada a insistência dos partidos de esquerda em ajudar a gerir o capitalismo como assistentes do PS. 

A incapacidade do capitalismo resolver as crises atuais – o crescimento da inflação, a crise na habitação, a degradação dos serviços públicos e a diminuição do salário real – levou a que muitas pessoas até então abstraídas, cansadas ou passivas se mobilizassem naquela que foi a maior participação eleitoral em quase 30 anos e votassem no único partido aparentemente “fora do sistema”: o Chega. Com 50 deputados no parlamento, Ventura anunciou o fim do bipartidarismo – uma tendência que se confirma por toda a Europa – e a intenção de esmagar a Esquerda e o movimento operário organizado. 

O PS apresentou-se como uma barreira contra a extrema-direita, mas os seus discursos não colam com as suas ações. A incapacidade de resolver o problema da habitação que afeta milhões de trabalhadores e o desinvestimento crónico nos serviços públicos são razões do crescimento da extrema-direita. Ao governar para os grandes banqueiros, assinar o novo pacto racista para as migrações, apoiar o genocídio em Gaza e a política belicista da UE e da NATO, tanto PS como PSD/AD potenciam o crescimento da extrema-direita.

O novo Governo é frágil

Passemos à Ofensiva por boas condições de vida

Montenegro e a AD venceram as legislativas graças ao descontentamento com o PS, e não graças a um apoio massivo ao seu programa liberal de desigualdade. Como esperado, o seu primeiro ato foi reverter as poucas medidas de controlo dos preços da Habitação, em claro serviço aos empresários de alojamento local e aos investidores e especuladores imobiliários. Atacam a progressividade fiscal do IRS, embora não o baixem significativamente para a maior parte dos trabalhadores. O governo introduziu mesmo uma inaceitável regressividade, fazendo, por exemplo, com que os poucos “jovens” que ganhem entre 50 e 80 mil euros brutos anuais paguem a mesma ou menor taxa de IRS que um trabalhador que ganhe 7 vezes menos! Foram diminuídos impostos sobre a propriedade e prevê-se que diminua a taxação dos lucros das grandes empresas. O governo projeta aumentos de salário mínimo (1000€ só em 2028!) e de salário médio ainda inferiores aos do governo anterior, e propõe a intensificação da exploração laboral, com o aprofundamento do modelo de baixos salários, despedimentos facilitados e a baixo custo, horários de trabalho longos e desregulados e más condições de trabalho. A nova política de imigração dificulta a legalização e o acesso à segurança social, diminuindo o custo da força de trabalho imigrante aos patrões, facilitando o negócio a traficantes e esclavagistas e procurando dividir a classe trabalhadora. A Direita irá ainda promover os negócios das empresas de saúde e educação, entregando-lhes os recursos dos serviços públicos, tendo já começado no plano de emergência para a Saúde. 

No entanto, o novo governo é frágil! Para governar ou em preparação para novas eleições, terá de agradar a alguém. Devemos organizar-nos não só para resistir à política burguesa mas também para passar à ofensiva para pressionar o governo e os capitalistas a ceder às nossas reivindicações, ou expor a incapacidade do governo em servir os interesses da classe trabalhadora. Os setores que mais se mobilizaram nos últimos meses e anos (profissionais de saúde e educação, forças de seguranças e funcionários judiciais) têm tido um maior reconhecimento e atenção da parte do governo precisamente porque mostraram a sua força e impacto na economia e na sociedade, apesar de este não ceder totalmente às suas reivindicações.

Construir o movimento pela base com a força da greve

Para melhorar as condições de vida e os serviços públicos e conseguir casa para todos, os trabalhadores e os pobres devem contar com as suas próprias forças: como em 1974 e 1975, temos de nos organizar e lutar para ganhar! Precisamos do envolvimento do movimento laboral, que através da greve tem força para lutar pelos serviços públicos e por casas em boas condições acessíveis para todos, como parte de um grande movimento de todos os oprimidos contra o capitalismo! Devemos unir as muitas lutas e greves dos últimos anos e, através de assembleias de trabalhadores e moradores, organizar ocupações e greves intersetoriais com um plano para ganhar.

Mas não é só o governo português que faz avançar a política de Direita

Atualmente, os direitos democráticos nos países europeus, tão arduamente conquistados pelos trabalhadores, estão sob ataque com a popularização da extrema direita. As últimas sondagens para as eleições para o Parlamento Europeu, que terão lugar até 9 de Junho, indicam que haverá um aumento da extrema-direita, representada pelos grupos parlamentares ID e ERC – de 18% para mais de 20%. Além disso, prevê-se uma diminuição no número de deputados do grupo parlamentar The Left, o mais comprometido com a defesa dos direitos dos trabalhadores e dos povos. Estes resultados seguem a tendência verificada na maioria dos países europeus, onde a extrema direita tem reforçado o seu poder parlamentar consistentemente nos últimos anos, e a esquerda, pela sua incapacidade de resolver concretamente os problemas da classe trabalhadora sem romper com a lógica capitalista, tem perdido apoio.

Aproveitando-se do crescimento da extrema direita, a presidente da Comissão Europeia Von der Leyen, que faz parte da direita tradicional do PPE, indicou que, se não conseguir garantir maioria para o segundo mandato como presidente da Comissão Europeia, com o apoio dos partidos centrais SPD e Renew, considerará negociar com o ECR. Este é um exemplo da legitimação da extrema direita que decorre na Europa e que tem como consequência a banalização dos discursos de ódio. 

Esta viragem à Direita é perigosa pelo que representa socialmente: está a aumentar o risco de ataques racistas, os direitos democráticos são crescentemente erodidos, por exemplo na repressão aos protestos pela Palestina, e cresce o discurso racista, anti-feminista e anti-LGBT. Também os sindicatos estão sob ataque, bem como as condições laborais, os salários e os benefícios sociais. Esta viragem não se faz sem o reverso da medalha, uma radicalização de camadas da juventude e da classe trabalhadora contra as opressões induzidas pelo sistema capitalista e em defesa de ganhos sociais duramente conquistados. No entanto, na sequência dos falhanços da esquerda reformista na última década, do Syriza à Geringonça, a radicalização à Esquerda tem perdido expressão política institucional.

Estamos longe portanto dos dias em que se tentava convencer as massas do projeto europeu como projeto de direitos humanos, Estado social e democracia. Ao invés, a UE vive hoje o crescimento das desigualdades e da pobreza, o aumento do militarismo, da repressão política e da legislação anti-migrantes e o apoio institucional e económico ao genocídio em curso em Gaza. As instituições da UE, incluindo os grupos parlamentares centrais, defendem uma forte militarização da União Europeia como resposta à invasão da Ucrânia pelo imperialismo russo. Embora a defesa do povo ucraniano e da Europa seja o objetivo comumente apresentado, a verdadeira razão desta corrida às armas não é mais que a defesa dos interesses dos imperialismos europeus, principalmente das burguesias mais fortes, alemã e francesa, e das suas ligações com o imperialismo estado-unidense, em concorrência com os imperialismos russo e chinês.

Apesar de se apresentar como defensora da democracia e dos direitos humanos, em oposição ao regime autoritário russo, a União Europeia compactua com regimes que cometem graves violações destes direitos sempre que é lucrativo. Um exemplo bem significativo desta inconsistência é o fornecimento de armas e financiamento concedidos a Israel para apoiar o genocídio que decorre na Faixa de Gaza. Tudo vale para assegurar os lucros das empresas de armamento na Europa. A arruada e comício da AD no Porto, no passado dia 5 de Junho, ilustram perfeita e ironicamente esta falta de valores. A participação de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, foi interrompida por protestos contra o seu apoio ao financiamento do genocídio em Gaza. Esta reagiu dizendo “Se vocês estivessem em Moscovo, estavam agora na prisão”, enquanto os manifestantes eram violentamente reprimidos pela polícia, tendo um sido mesmo detido. Também no campo das migrações, a UE faz acordos com regimes autocráticos para que impeçam a vinda de migrantes para a Europa e criou um Sistema de Asilo que se assemelha às ideias da extrema-direita de ‘remigração’.

No plano financeiro europeu, para além das elevadas taxas de juro, as novas regras orçamentais europeias também trazem más notícias para a classe trabalhadora, com o retorno da austeridade. Prevê-se menos dinheiro para despesas sociais e muito mais para garantir lucros em setores estratégicos e para a militarização.

A União Europeia sempre foi um projeto capitalista

Na realidade, a verdadeira intenção da UE nunca foi a paz na Europa e muito menos no mundo. O foco da UE desde a fundação das primeiras instituições sempre foi a expansão do mercado das burguesias europeias e a dominação das classes dominantes mais fortes. Os primeiros grandes avanços do projeto europeu foram dados nos anos 1970 com o fim do boom do pós-guerra, que deu o incentivo à união comercial das burguesias europeias para aumentarem os seus mercados para fazer face à crise. Com a expansão do mercado mundial, essa união comercial também se tornou importante para competir com os outros blocos económicos. Com as regras monetaristas/neoliberais inscritas no Tratado de Maastricht, de défices abaixo de 3% e dívidas públicas abaixo de 60% do PIB, a UE passou a ter duas funções principais: Formar um bloco económico para competir com os restantes (EUA-Canadá, Japão, China, etc.); Incentivar/coagir os governos nacionais europeus a implementar a agenda neoliberal de privatizações, liberalizações e perda de direitos laborais nos seus respectivos estados, promovendo assim a circulação de capital e as condições para as burguesias explorarem trabalho e recursos da forma mais eficaz à acumulação de capital. 

No entanto, apesar da união comercial e a formação de blocos, as burguesias permanecem nacionais, com cada estado a defender a respetiva classe dominante. Os tratados comerciais que compõem a UE surgem assim como uma forma de tentar escapar à contradição entre uma produção cada vez mais coletiva à escala mundial, extravasando os limites não só da propriedade privada, como também do estado-nação, e a apropriação privada que caracteriza o capitalismo. Assim, as burguesias dos diferentes países podem trabalhar juntas quando é benéfico, mas não podem superar as limitações nacionais do capitalismo. A UE capitalista não pode acabar com a existência de estados-nação e com a competição entre eles. Nesta abertura de mercado em concorrência, as burguesias mais fortes estão claramente em vantagem, mas as burguesias menores, de países como Portugal, também beneficiaram, por exemplo, do facto da UE promover as privatizações e a precariedade laboral.

Esse aspeto concorrencial da UE fica patente sempre que há crises, e nas últimas décadas houve várias. Depois da grande recessão de 2008-2009, a máscara progressista da UE caiu, com os trabalhadores a ser obrigados a pagar pela crise dos bancos e com os claros ataques imperialistas das burguesias mais fortes do Norte da Europa aos trabalhadores do Sul da Europa. Na sua sequência, houve a possibilidade da Grécia sair da UE e depois houve o Brexit. Também durante o COVID, a UE mostrou que não exerce planeamento nem solidariedade, com o mercado incapaz de suprir a falta inicial de máscaras e ventiladores e países como França e Alemanha a reter o envio de material hospitalar para países como Itália e o Estado espanhol, para além de serem retidas vacinas para o resto do mundo. Agora, com o processo de desglobalização e de quebra de cadeias de fornecimento a afetar fortemente as economias europeias, mais dependentes das exportações que os EUA ou a China, a UE tem uma preocupação com a relocalização de produção para a Europa, como exemplifica o caso da produção de hidrogénio. Mas esta preocupação não tem por base o planeamento democrático do que é preciso produzir para suprir necessidades, mas a competição capitalista e a determinação de que estado está mais bem posicionado para proporcionar condições de acumulação de capital, inclusivamente através de subsídios estatais.

A UE é um projeto que impossibilita a unidade e solidariedade de que necessitam os trabalhadores e os pobres e que rejeitamos

Para as eleições ao Parlamento Europeu, apoiamos que se exponha o caráter capitalista das instituições da UE: a sua promoção das políticas contra os trabalhadores; o seu apoio à guerra, à militarização e à preparação para intervenções e conflitos interimperialistas mediados pela NATO; a repressão, também ela militarizada, à imigração, que serve só para ter força de trabalho ilegal, sem descontos, escravizada e mais barata; a transição energética lenta para o capitalismo verde que não corta emissões e que é feita no interesse de manter lucros e em detrimento dos interesses dos trabalhadores afetados pelas reconversões industriais; a sua incapacidade de resolver os problemas prementes de Habitação, Saúde e Educação, por ver estes setores como fonte de lucro a setores importante das burguesias; o seu conluio com o crescimento da extrema-direita, que cada vez mais compatibiliza o nacionalismo com o europeísmo, formas semelhantes de divisão dos trabalhadores. Votamos nas forças que acharmos que melhor façam a exposição da ruptura necessária, mas na certeza de que é sobretudo a luta de classes, fora do Parlamento Europeu, que permitirá resistir à barbárie capitalista e avançar com uma alternativa a esta.

Podendo apoiar reformas sociais que passem pelo Parlamento Europeu (o que não é usual), não alimentamos nem a ilusão de melhorar a UE por reformas institucionais ou por maior integração, nem a ilusão de soluções nacionais que pretendam convencer que um capitalismo nacional ou soberano seria melhor que a pertença à UE. A oposição à UE é possível por uma força internacionalmente coordenada da classe trabalhadora, organizada nas ruas, bairros, fábricas, escolas e locais de trabalho, focada nas preocupações concretas da população trabalhadora e englobando as lutas feministas, antirracistas, queer, antiguerra e ambientalistas, que reconheça que fazer frente às crises económica, social e ambiental exige romper com as regras da UE e com o sistema capitalista e que proponha uma planificação democrática à escala europeia, uma Europa de estados socialistas, parte de um mundo socialista. Defendemos:

  • Não ao armamento dos massacres! Expropriação e controlo operário de toda a produção e transporte de armas. Cabe à classe trabalhadora decidir quem deve ou não receber armamento. Em vez de mais armamento, investimento no clima, na habitação, na saúde e na educação.
  • Não ao escalamento das guerras – não ao imperialismo, não à militarização, seja nos EUA e na UE ou no Irão, na China e na Rússia!
  • Não à repressão estatal política e racista! União na luta contra todas as formas de racismo e opressão, contra a islamofobia, o anti-semitismo e a extrema-direita!
  • Acolhimento aos refugiados de guerra e desertores, venham da Rússia, da Ucrânia, da Palestina ou de qualquer outro país. Integração dos migrantes. Emprego, habitação e apoios sociais para todos!
  • O povo da Ucrânia tem direito a defender a sua auto-determinação face ao imperialismo de Putin. Nenhuma confiança no imperialismo da NATO, dos EUA e da UE ou no governo de Zelensky! Auxílio aos povos pelos métodos proletários (agitação contra os falsos aliados, boicote e greve contra o armamento dos opressores, apoio à luta pelo controlo operário da guerra e contra o governo do lado oprimido e contra o regime e pela sua derrota do lado opressor).
  • Solidariedade das organizações de trabalhadores com os protestos estudantis anti-guerra reprimidos, usando a sua força contra a repressão estatal.
  • Abertura pública das contas dos governos e empresas. Fim de todos os investimentos que contribuam para o ataque a Gaza, para a vigilância, a ocupação, a repressão política e o policiamento em Israel e na Palestina!
  • Coordenação de greves internacionais que pela paragem da economia pressionem os governos que apoiam Israel e o próprio capitalismo israelita, exigindo Acordo de cessar-fogo permanente, todos por todos (todos os reféns e presos políticos palestinianos).
  • Entrada imediata e massiva de alimentos, água, medicamentos, produtos sanitários e ajuda em Gaza. Investir massivamente na reconstrução, nas suas infra-estruturas, escolas e hospitais. Pago pela expropriação da indústria armamentista e de todos aqueles que beneficiam do imperialismo e da exploração, no interesse das necessidades reais das massas em vez dos lucros dos ricos.
  • Por uma luta de massas democraticamente organizada a partir de baixo, no espírito da greve pela dignidade de 2021 e da primeira Intifada para acabar com a ocupação, o cerco e a opressão nacional do povo palestiniano. Pelo direito à autodeterminação das comunidades nacionais do Médio Oriente e pelo controlo dos trabalhadores sobre os recursos da região, que possa oferecer a todos uma vida com dignidade, paz e prosperidade.
  • Controlo das rendas e dos preços dos bens essenciais a valores acessíveis! Tabelamento de tetos máximos.
  • Aumento geral dos salários e das pensões. Indexação dos salários e pensões acima da inflação, no público e privado. 
  • Taxação progressiva dos lucros e das grandes fortunas para financiar o investimento em serviços públicos gratuitos, nos seus profissionais e na transição justa: Transportes, creches, escolas, cantinas, lares, habitação e cuidados de saúde.
  • Casa, saúde e educação são direitos, não mercadorias! Expropriação dos fundos e agências imobiliárias, dos grandes proprietários e das casas devolutas, bem como das grandes infraestruturas de saúde e educação que fazem falta ao serviço público.
  • Habitação pública massiva sob o controlo de comissões de moradores e trabalhadores: nacionalização das grandes empresas de construção para reabilitação, manutenção e construção de habitações com qualidade e conforto a rendas acessíveis, que garanta habitação digna para todos.
  • Não controlamos o que não nos pertence: nacionalização dos setores da distribuição e da energia sob controlo democrático!
  • Por uma transição energética que defenda o ambiente e os trabalhadores, com energia 100% renovável e acessível, contra os grandes projetos que prejudicam o ambiente e as populações. Nacionalização e controlo dos trabalhadores e consumidores sobre os setores essenciais para uma transição justa e rápida: energia, transportes e banca. Por serviços públicos de qualidade de energia e transportes não poluentes!
  • Juro zero para o crédito à primeira habitação. Nacionalização do setor financeiro para controlo dos juros, créditos e fluxos de capitais e para financiar investimentos socialmente necessários.
  • Contra a guerra e o imperialismo, pelo direito dos povos à auto-determinação, por solidariedade e coordenação internacional entre os trabalhadores, que construa uma alternativa socialista à barbárie capitalista!