Votar contra a Direita e intensificar a luta contra o capitalismo

ASI em Portugal
Por ASI em Portugal

– Artigo publicado como Editorial do jornal número 4 (Janeiro/Fevereiro 2024) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –

As condições de vida em Portugal têm-se deteriorado acentuadamente nos últimos meses. As crises no SNS e no sistema de ensino, provocadas por anos de desinvestimento nos serviços públicos, são cada vez mais evidentes. No último ano, foram várias as notícias alarmantes sobre urgências fechadas ou com tempos de espera absurdos, a incapacidade de preencher vagas em várias especialidades médicas em todo o território e os milhares de alunos sem professor a pelo menos uma disciplina. A isto juntam-se a perda de poder de compra, cerca de 3% entre o 2º trimestre de 2021 e o período homólogo de 2023, e a crise da Habitação. Entre 2022 e 2023, no território nacional, o preço das casas subiu em média 8% e o valor das rendas nos novos contratos subiu em média 11%, sendo que em Lisboa o aumento foi de mais de 20%. Tudo isto enquanto as grandes empresas e bancos tiveram lucros recorde. Fruto dos baixos salários e do elevado custo de vida, Portugal é o país da Europa de onde mais se emigra, com 30% da população entre os 15 e os 39 anos nascida no país a viver no estrangeiro, segundo um estudo recente.

É neste cenário, e após dois anos de maioria absoluta do PS marcados pelas demissões de 11 secretários de Estado e 2 ministros e pelo crescimento do descontentamento e dos protestos, que a Operação Influencer levou à demissão de António Costa por suspeitas de corrupção sobre o primeiro-ministro e o seu governo. O facto do governo do PS se mostrar incapaz de impedir as impactantes greves nos setores da saúde e da educação e as crescentes mobilizações pelo direito à habitação deve causar receios entre a classe dominante. Assim, foram convocadas eleições legislativas antecipadas, para 10 de Março, visando a formação de um governo menos frágil, o que está longe de estar garantido.

As eleições não permitem resolver os problemas da classe trabalhadora, que são inerentes ao capitalismo e à posição de Portugal no mercado mundial e na UE, mas são um momento importante da luta de classes, em que as massas são disputadas politicamente e cujos resultados serão determinantes para o contexto em que lutaremos no próximo período.

A um mês e meio das eleições, as sondagens preveem entre 42% e 52% dos votos para a Direita (dos quais entre 21% e 28% para a AD e entre 16% e 18% para o Chega), cerca de 27% para o PS e de 12% para os partidos à sua esquerda. Significa isso que é possível eleger uma maioria à Esquerda, mas é mais provável que as eleições resultem numa maioria de Direita dependente da extrema-direita ou num acordo entre PS e PSD. 

Os planos da Direita

As intenções da AD e da IL são relativamente claras, representando os interesses de parte importante da burguesia em avançar na intensificação da exploração mais rápido do que o tem podido fazer nos últimos anos. Planeia-se a aceleração da mercantilização da saúde e da educação, beneficiando do definhamento dos serviços públicos deixado pelo PS, primeiramente através de parcerias público-privadas nos hospitais e contratos de associação nas escolas, que potenciarão o crescimento dos grupos empresariais desses setores à custa dos bens públicos. Esses partidos propõem também a diminuição de impostos de propriedade e dos impostos progressivos, e portanto, menos injustos: do IRS, de que grande parte da classe trabalhadora (que paga pouco ou nenhum IRS por ter rendimentos baixos) não beneficia; e do IRC, de que beneficiam as maiores empresas com maiores lucros. O que esses partidos não dizem é que essas diminuições de receitas públicas, se se concretizarem, levarão a cortes nas despesas públicas e portanto a mais ataques aos serviços públicos que abram mais negócios ao capital privado. Também não dizem que nos últimos anos se opuseram consistentemente a todas as políticas a favor dos trabalhadores: desde os aumentos do salário mínimo à redução dos preços dos passes de transportes públicos.

Aos planos habituais da Direita, junta-se a dependência da extrema-direita organizada no Chega, que goza atualmente de um crescimento considerável das intenções de voto (de 7% nas legislativas de 2022 para 18% em sondagens recentes). Este crescimento é suportado pelo seu mediatismo, tendo recebido nos últimos anos da parte da comunicação social uma atenção equiparável à que receberam os maiores partidos, PS e PSD, mas também pelo facto de apresentar bodes expiatórios e respostas simples a problemas sociais por resolver, e por todos os outros partidos (incluindo os da Geringonça) terem sido testados e serem crescentemente rejeitados.

O Chega tem prometido descidas de impostos simultaneamente com aumentos de milhares de milhões de euros na despesa pública: o aumento dos salários das forças de segurança; o aumento de até 20% das remunerações de profissionais de saúde, o que é irónico considerando que o Chega defendia a privatização total do SNS até há poucos anos; a equiparação das pensões mínimas ao salário mínimo; entre outras. Mas por entre falsas promessas e anúncios de combate à corrupção, o Chega vai revelando as suas verdadeiras intenções. Um bom exemplo é a proposta de corte de 420 milhões de euros que o Estado supostamente gasta em medidas de “promoção da ideologia de género”. A dotação em causa é na verdade relativa ao combate a desigualdades de género e inclui medidas como o reforço do abono de família, o alargamento da gratuitidade das creches, a gratuitidade dos passes para sub18 e sub23 e o Complemento Solidário para Idosos. Outro exemplo são os imigrantes que o Chega diz viverem à custa de apoios que não existem mas que na realidade são contribuintes líquidos para a segurança social e cuja mão de obra os próprios deputados do Chega exploram. É este o verdadeiro propósito do Chega: excitar a pequena-burguesia reacionária (desesperada com a sua crise numa economia capitalista que não controla e raivosa contra quaisquer direitos conquistados pela classe trabalhadora) com discursos contra a “ideologia de género” e os imigrantes, enquanto ilude os seus eleitores quanto ao verdadeiro significado do seu programa. Assim, o Chega capta os eleitores sem esperança apresentando-se como um partido anti-sistema enquanto defende acerrimamente um programa de sobreexploração de quem financia o partido: famílias ricas e empresários do sistema. 

Todos os que querem evitar a aplicação dos planos da Direita e da extrema-direita deverão votar, como em eleições anteriores, na Esquerda, até mesmo no PS, sem ilusões quanto a poder resolver os problemas da classe trabalhadora através do voto.

A Esquerda não retirou todas as lições da Geringonça

À esquerda do PS, os partidos que apresentam propostas para soluções para a classe trabalhadora e que têm participado nas lutas sociais e laborais por melhores condições de vida, BE e PCP em particular, nada fizeram para constituir uma alternativa ao PS e à Direita. Pelo contrário, o BE apresenta-se abertamente por um acordo com o PS, apresentando-lhe critérios de convergência que não colidem com o capitalismo e que se pretendem relativamente fáceis de cumprir. Enquanto o PCP também louva a Geringonça de 2016-2019 e diz-nos que o resultado eleitoral da CDU é que é determinante para as soluções para os trabalhadores. A grande mensagem de ambos os partidos é que um governo do PS em minoria, dependente no parlamento dos partidos à sua esquerda, é melhor que um governo do PS de maioria absoluta.

Embora seja correto, dada a falta de alternativa, viabilizar um governo do PS para impedir um governo de Direita, e não seja mentira que os anos da Geringonça (2016-2019) trouxeram melhores notícias para a classe trabalhadora que os últimos anos, há que retirar as devidas lições dessa experiência.

Apesar da reversão de várias medidas de austeridade dos anos anteriores e de várias conquistas, a Geringonça não conseguiu garantir a reversão de políticas mais estruturais de intensificação da exploração capitalista, como as privatizações, a injeção de dinheiro público em bancos privados, a lei das rendas e a lei laboral. A precariedade e os baixos salários continuaram a ser a regra e o preço da Habitação disparou sem qualquer controlo durante os anos da Geringonça, a par da especulação imobiliária. O investimento público foi muito reduzido nesses anos, bem como o investimento nas condições de trabalho nos serviços públicos, o que garantiu o continuado definhamento da Saúde e Educação públicas que tem justificado o crescimento do capital privado nesses setores. A política de serviço aos interesses da burguesia não foi impedida pelos acordos e pela dependência parlamentar do PS em relação à Esquerda. Esse falhanço tem ainda hoje consequências muito reais nas crises da Habitação, da Saúde e da Educação que devastam as vidas da classe trabalhadora. Também as consequências políticas dos governos da Geringonça e do PS são conhecidas: desilusão e perda de apoio à esquerda do PS e surgimento e ascensão da extrema-direita organizada, com o Chega a conseguir mostrar-se como a oposição ao sistema, embora seja o seu maior defensor.

As conquistas obtidas no tempo do PS e da Geringonça, como a reposição de salários e pensões, as 35 horas de trabalho semanal na administração pública, os aumentos de salário mínimo, a gratuitidade de manuais escolares e creches, a redução dos preços dos passes de transportes públicos e a redução na conta de eletricidade dos mais pobres, são valiosas, mas foram fruto de condições económicas mais favoráveis e das enormes lutas de massas do período anterior e, como todas as conquistas em capitalismo, são reversíveis. No nosso entender, o maior erro dos partidos à esquerda do PS na Geringonça foi não ter usado a fragilidade parlamentar do PS para o pressionar através da mobilização de massas e assim dar confiança aos trabalhadores de resolver os seus problemas através da organização e luta.

Nesse período, BE e PCP mantiveram os seus esforços limitados ao parlamento e o seu compromisso para com a estabilidade do governo e a suposta boa gestão do capitalismo e para com a conciliação de classes, que foi uma garantia de estabilidade para a acumulação capitalista após os anos de austeridade da Direita. A combatividade nos sindicatos foi contida pela CGTP cuja liderança, juntamente com as de BE e PCP, traíram a classe trabalhadora em lutas importantes, sobretudo quando protagonizadas por sindicatos fora da CGTP. Dirigentes dessas três organizações atacaram publicamente as greves na fábrica Volkswagen, a greve dos motoristas de matérias perigosas e os fundos de greve dos enfermeiros, tal como em 2023 atacaram os fundos de greve dos profissionais da educação. Não nos devemos esquecer que assistimos já em 2019 aos maiores ataques ao direito à greve desde 1974: serviços mínimos definidos a 100%, utilização da polícia e dos militares para quebrar os piquetes e substituir grevistas, ataques judiciais a novos sindicatos, perseguição e detenção de grevistas. Todos os truques sujos foram usados pelo governo do PS, sem a resposta adequada da CGTP, que seria a mobilização de massas pelo direito à greve! Contribuiu-se assim para normalizar a ideia de as greves não deverem perturbar a economia capitalista e de os trabalhadores não se deverem organizar financeiramente para poder fazer greve e, claro, permitiu-se que figuras oportunistas pretendam apoiar os trabalhadores que a esquerda abandonou. Também durante a crise pandémica, no segundo governo minoritário do PS, os partidos à esquerda foram coniventes com a política do “lay-off” que financiou as empresas com dinheiro público e da segurança social enquanto os salários dos trabalhadores eram cortados, ao mesmo tempo que o SNS era sobrecarregado, a saúde privada aproveitava para crescer à sua custa e os doentes sofriam de falta de cuidados.

Achamos positivo que os partidos à esquerda do PS tentem apontar desde já critérios mínimos de viabilização de um governo do PS para impedir os planos da Direita, como tem feito o BE em relação a salários, habitação, cuidados, saúde, educação e clima. Mas esses critérios devem ir além de uma defesa abstrata de salários e serviços públicos que o próprio PS pretende fazer e, sobretudo, a aplicação desses critérios deve basear-se na força da classe trabalhadora e não no jogo parlamentar. É através da mobilização de massas e da força da greve que se pode construir uma relação de forças que permita verdadeiras vitórias, seja qual for o governo, mas sobretudo no caso de um governo minoritário do PS em situação de fragilidade parlamentar. É também por essa prática que a classe trabalhadora poderá tirar conclusões sobre a necessidade de melhor se organizar e de superar o capitalismo.

Vitórias que realmente melhorem as condições de vida da maioria da população e o futuro da juventude só serão possíveis se as organizações da classe trabalhadora confrontarem o próprio sistema capitalista: se se puser em causa o direito de propriedade dos fundos imobiliários em favor da habitação pública, se se confrontar a mercantilização da saúde e educação que está a destruir os serviços públicos, se se atacar a especulação financeira em favor da nacionalização da banca e da planificação da economia ao serviço das necessidades sociais e ambientais! Sem isso, se pretender apenas gerir melhor o capitalismo, a Esquerda não poderá fazer muito diferente do que o PS tem feito.

No próximo período, seja qual for o governo, preparemo-nos para lutar por melhores condições de vida para todos e por uma alternativa política da classe trabalhadora! As manifestações de 27 de Janeiro pela Habitação e de 3 de Fevereiro contra as ameaças da extrema-direita são bons e importantes exemplos da necessidade de lutarmos e nos organizarmos!