– Artigo do jornal número 7 (Janeiro /Fevereiro de 2025) do coletivo Luta pelo Socialismo, à venda na manifestação “Não nos encostem à parede!” de 11 de Janeiro em Lisboa –
A intervenção policial vergonhosa contra os trabalhadores da Rua do Benformoso, em Lisboa, é uma consequência direta da normalização do discurso de ódio xenófobo contra imigrantes de países neocoloniais, promovido pela extrema-direita.
Os imigrantes, por terem menos recursos económicos e baixa representação nas instituições e comunicação social, são o bode expiatório ideal. Assim, a extrema-direita apresenta-os como culpados dos graves problemas económicos que afetam os trabalhadores em Portugal, causados por décadas de desinvestimento nos serviços públicos e pela ganância da burguesia, nomeadamente o colapso do SNS, a crise na habitação, a falta de lugares nas creches e jardins de infância, o aumento do custo de vida. Além disso, para chamar a atenção dos meios de comunicação burgueses, também os acusa do crescimento imaginário da criminalidade. Esta campanha de desinformação, extremamente mediática e altamente financiada pela burguesia, que, presentemente, segue os mesmos moldes em todos os países ocidentais, tem cada vez mais adeptos entre a pequena burguesia empobrecida e mesmo camadas mais atrasadas da classe trabalhadora.
O sucesso da extrema-direita parlamentar tem-se tornado uma ameaça cada vez maior ao poder do governo de direita da AD. Consequentemente, a AD decidiu apropriar-se do discurso de ódio do Chega, usando todos os meios ao seu dispor, nomeadamente a comunicação social e a polícia. A 27 de Novembro, com a intenção de ter a maior cobertura mediática possível, o governo convocou uma conferência de imprensa para as 20h que foi a abertura da maioria dos telejornais. Montenegro não falou sobre qualquer dos graves problemas económicos que afetam os portugueses e que se agravaram com as ações do seu executivo, como mortes por falta de assistência médica, listas de espera intermináveis nos hospitais, milhares de alunos sem aulas, trabalhadores que são sem-abrigo. Em vez destes problemas que constituem a verdadeira insegurança a que os trabalhadores estão sujeitos, Montenegro optou por discursar sobre a perceção de insegurança, que não corresponde a qualquer crescimento da criminalidade no país, e comunicar um aumento de verbas para a polícia. O seu discurso é um ataque direto aos imigrantes, porque a mentira sobre o aumento da criminalidade aponta-os como culpados.
Neste contexto, não é surpreendente que, em Dezembro, um forte contingente policial tenha fechado a Rua do Benformoso, área maioritariamente frequentada por comunidades de imigrantes, e obrigado dezenas de pessoas a encostarem-se às paredes, com as mãos no ar, para serem revistadas. Como seria de esperar, foram parcos os resultados desta ação humilhante, mas isso não é um problema porque o seu objetivo inicial nunca foi o de prevenir atividades criminais. Se o papel da polícia fosse garantir a segurança das pessoas que trabalham e habitam nesta zona, esta ação teria tido lugar a uma hora diferente e usado efeito surpresa, sem comunicação prévia à comunicação social como aconteceu.
Somos ensinados que a polícia é uma força neutra que existe para garantir a nossa proteção em caso de crime e que atua sem discriminar em relação ao sexo, raça, língua, território de origem, religião, orientação sexual, etc. No entanto, é impossível ignorar que a atuação da polícia em zonas habitadas pelas camadas mais oprimidas da classe trabalhadora, é completamente diferente da que ocorre em bairros burgueses. Também é impossível ignorar que populações racializadas são um alvo preferencial da polícia.
Ações como as que se verificaram na rua do Benformoso são habituais nos bairros periféricos de Lisboa, com uma presença elevada da comunidade afrodescendente. Os habitantes destes bairros são regularmente sujeitos a rusgas e detenções não fundamentadas, são também agredidos e até assassinados, como foi Odair Moniz. Odair conduzia o seu automóvel quando foi abordado e perseguido pela polícia e acabou por se despistar. Após sair da sua viatura, foi atingido com um tiro na axila, tendo vindo a falecer no hospital. Inicialmente, a polícia alegou que este teria reagido “violentamente” e estaria armado com uma faca, o que vídeos do assassinato provaram ser inequivocamente falso. Mas Odair não é um caso único, entre 2002 e 2013, mais de uma dezena de jovens negros foram assassinados pela polícia.
O Estado pertence à burguesia. Consequentemente, os meios de força do Estado estão ao serviço desta classe social e têm como função mantê-la no poder, ou seja, proteger a sua propriedade privada. A polícia é a primeira linha de defesa armada do capitalismo, estando na retaguarda os tribunais, as prisões e o exército. A polícia age de acordo com a sua função quando mantém sob constante intimidação os trabalhadores mais oprimidos e os que ousam agir contra o sistema capitalista, ao demonstrar, regularmente, a sua força em atos arbitrários e violentos.
A extrema-direita prefere uma versão mais autoritária do sistema capitalista que a vigente, por isso o seu discurso dá um grande destaque às forças de repressão que já existem, ou seja, à polícia, e defendem o aumento do seu poder e verbas. No seguimento do assassinato de Odair Moniz, Pedro Pinto, deputado do Chega, afirmou que se as forças de segurança “disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem” e André Ventura declarou sobre o polícia que matou Odair “Nós devíamos condecorá-lo e não constituí-lo arguido”. Em resposta à manifestação convocada pelo movimento Vida Justa para reivindicar justiça para Odair, o Chega organizou um protesto “em defesa da polícia”.
Do mesmo modo, os deputados do Chega percorreram a Rua do Benformoso, após a ação policial discriminatória que aí decorreu, e André Ventura declarou que a polícia está a ser alvo de genocídio político, afirmações que podiam ser cómicas, não fosse ser o Chega representado por 50 deputados no parlamento. Reiterou também que ações deste género deviam acontecer mais vezes e que “quem está ilegal tem de sair do país”. Podemos concluir que a extrema-direita já não esconde a sua xenofobia e não tem receio de intimidar os trabalhadores que são as vítimas diretas do seu discurso de ódio, invadindo o seu espaço residencial e comercial. Esta ação não teve oposição planeada, o que demonstra a desmobilização da esquerda, que deveria ser capaz de responder em tempo real às intervenções dos fascistas no espaço público.
Reciprocamente, a extrema-direita é popular entre as forças de segurança. Este apoio não está restrito à extrema-direita parlamentar, representada pelo Chega, mas estende-se a grupos extremistas assumidamente racistas. Por exemplo, numa entrevista recente, o neonazi Mário Machado, líder do Grupo 1143, afirmou que vários elementos do seu grupo pertencem à polícia.
Em 2024, foram várias as agressões da polícia a ativistas antifascistas. Em fevereiro, antifascistas que protestavam pacificamente contra a marcha de cariz racista do Grupo 1143, no centro de Lisboa, e, também, dois jornalistas identificados que cobriam os protestos foram violentamente agredidos pela polícia, com bastonadas indiscriminadas, socos e pontapés, tendo seis pessoas recebido assistência hospitalar e três sido arbitrariamente detidas. Em junho, numa situação semelhante, quando um neonazi do Grupo 1143 atacou um antifascista, provocando confrontos entre os dois grupos, a polícia não protegeu os antifascistas agredidos e ainda decidiu atacá-los com bastonadas.
Em Outubro, uma manifestação de cariz racista organizada pelo Grupo 1143 e uma contramanifestação antifascista ocorreram em localizações muito próximas, em Guimarães. O forte destacamento policial não interveio para proteger os manifestantes antifascistas em nenhuma das vezes que extremistas do Grupo 1143 invadiram o espaço da contra-manifestação. Numa troca de palavras que se seguiu a uma destas provocações, um elemento das forças de segurança achou que a intervenção adequada era apontar uma arma a um dos antifascistas pacíficos.
Ainda em Outubro, elementos do Habeas Corpus, grupo assumidamente LGBTQIA+fóbico e racista, conhecido por intimidar ativistas LGBTQIA+, tentaram interromper a apresentação de um livro sobre esta temática. Desta vez, encontraram oposição e um cordão humano impediu a invasão da livraria onde decorria a apresentação. Embora não tenha havido qualquer ação agressiva por parte dos ativistas, a polícia achou necessário empurrá-los violentamente, formando um cordão de proteção em torno dos fascistas à entrada do estabelecimento. Por fim, estes apenas não tiveram acesso ao espaço porque os responsáveis recusaram a sua entrada, dado conhecerem o seu histórico de silenciamento de ativistas, que, claramente, não foi tido em consideração pela polícia.
Várias associações convocaram uma manifestação, para dia 11 de Janeiro, com o mote “Não Nos Encostem À Parede”, com o objetivo de protestar contra a intervenção policial racista e xenófoba na Rua do Benformoso. O Habeas Corpus e o Ergue-te informaram que estarão presentes, para protestarem contra o racismo contra portugueses, e apelaram a que outros partidos e grupos de extrema-direita também participem. O histórico da ação da polícia diz-nos que os trabalhadores não estarão protegidos destes fascistas violentos e que têm, além disso, uma maior probabilidade de serem agredidos pelas forças policiais, que na presença de fascistas se comportam como integrantes desses grupos.
Portanto, temos uma polícia que intimida trabalhadores pobres, assassina minorias étnicas, agride e ameaça com armas de fogo ativistas e jornalistas, enquanto faz cordões de proteção em torno de fascistas. Concluímos, evidentemente, que a polícia é uma instituição de caráter fascista que, contrariamente ao propagandeado pelo sistema capitalista, não protege, mas sim oprime a classe trabalhadora.
É fundamental que alertemos os trabalhadores sobre o papel opressor da polícia e reivindiquemos o controlo democrático da população trabalhadora, autóctone e imigrante, sobre as forças de segurança e o saneamento de todos os elementos com ligações a partidos e grupos fascistas.Sem o controlo da polícia pela classe trabalhadora, a única solução viável que garante a proteção dos trabalhadores contra a extrema-direita cada vez mais organizada, são as milícias armadas dos trabalhadores. Não devemos ter apreensão quanto a iniciar a discussão sobre o armamento do proletariado, porque este é indispensável para a sua luta emancipadora!
Qualquer perceção de insegurança só pode ser combatida se todos, autóctones e imigrantes, tiverem acesso aos serviços fundamentais e se o trabalho e a habitação forem planeados democraticamente para que todos, independentemente da raça, género ou origem, vivam em condições dignas e os bairros tenham vida em comunidade, em vez de serem dormitórios ou estarem entregues ao turismo. Igualmente, as tentativas de divisão da classe trabalhadora e de opressão aos mais frágeis para os sobre-explorar só terminará quando pusermos fim ao capitalismo e o substituirmos pela planificação democrática de toda a economia. Uma classe trabalhadora unida e organizada é a chave para nos livrarmos da barbárie!