Entre a barbárie e o desânimo, entre a conciliação e o golpismo: uma análise política do Brasil em 2024

Por Projeto por uma Internacional Marxista Revolucionária, Brasil

– Artigo publicado originalmente pelo Projeto por uma Internacional Marxista Revolucionária, Brasil, a 28 de Dezembro de 2024 –

O ano de 2024 foi apreensivo e desanimador para as pessoas de esquerda ou progressistas no Brasil. No meio de tantas crises, como a ambiental, e a necessidade de transformação social, os conservadores e a direita foram os grandes vencedores das eleições municipais. Além disso, houve a vitória eleitoral acachapante de Trump nos EUA, alertando para o retorno da extrema-direita, a mesma que tentou um golpe de estado no nosso país. Apesar de tudo isso, a esperança de mudança continua de pé e a esquerda e a classe trabalhadora continuam analisando esses acontecimentos, mas com a condição que essas análises possam virar ação para transformar radicalmente a nossa sociedade.

Os últimos 15 anos no Brasil foram intensos, com grandes lutas da classe trabalhadora, muitas reviravoltas, ações e reações. Depois de tanta luta, é desanimador assistir a vitória eleitoral da direita nas prefeituras e projetos conservadores avançando, como as privatizações, inclusive de escolas, como em São Paulo, a PEC do Estuprador, que proíbe o aborto em qualquer caso, os ajustes fiscais com cortes orçamentários em direitos e a pressão da grande burguesia por eles, entre tantos outros. Mas por que estamos nessa condição? O Brasil está sendo governado por Lula e parece que nada avança? É necessária uma análise concreta e que evite algumas constatações simplistas presentes em algumas análises tão repetidas, principalmente nas redes sociais – por exemplo, sobre “pobre de direita”, “povo sem educação”, “o brasileiro é conservador mesmo”, “perdemos porque a esquerda é identitária”, etc.

Governo Lula: “aliança ampla” em que só os poderosos ganham

Depois do pesadelo que foram os anos do governo golpista e de grandes ataques às pessoas trabalhadoras de Michel Temer e de extrema direita e genocida de Bolsonaro, houve uma esperança que o retorno de Lula significaria uma grande mudança, especialmente para os setores que mais sofreram nesse período. Porém, mesmo que a derrota da extrema direita nas urnas tenha sido fundamental, Lula não está entregando as promessas de melhoras que foram o marco da sua campanha.  

O principal feito do governo Lula, na metade do seu mandato, é a instalação do novo arcabouço fiscal, ou o novo Teto de Gastos, ou seja, uma dura política de ajuste fiscal que retira orçamento de direitos sociais, como educação, saúde, previdência, moradia, etc. Tal medida foi historicamente criticada pela esquerda e a classe trabalhadora organizada em movimentos e sindicatos, mas exigida por toda a burguesia, dos bilionários estrangeiros ao médio empresário de interior, da Faria Lima à grande mídia, como algo naturalmente essencial para a economia, e tornou-se a principal bandeira do ministro Fernando Haddad. 

Nada diferencia o governo do PT em termos econômicos de qualquer outro governo neoliberal: vai tirar dinheiro da educação e saúde, retirando o piso de investimento atual, vai mexer no BPC, o parco auxílio aos idosos vulneráveis, no aumento real do salário mínimo, entre outras despesas obrigatórias. O projeto, apesar de mexer na aposentadoria dos militares e de aumentar para 5000 reais de renda como limite para pagamento de imposto de renda, ainda tem uma essência indiscutível: retirar orçamento de serviços públicos e direitos da população mais pobre para sobrar dinheiro para o mercado financeiro. Mesmo assim, “o mercado” fica ainda insatisfeito e coloca pressão no governo para recuar das medidas modestas que poderiam beneficiar a população e para avançar ainda mais na austeridade. No fim, a PEC aprovada no Congresso é bem pior do que o projeto original.

Os poucos projetos e ações progressistas do governo, principalmente no início de 2023, agora são barrados pelo congresso, como por exemplo, a taxação das grandes fortunas. Enquanto isso, os consensos pró-mercado e os projetos da extrema-direita vão sendo aprovados com celeridade. Com esses resultados, fica a pergunta: para que servem tantos acordos e alianças do governo do PT com a direita tradicional? 

A narrativa do PT é cantada em muitos meios e por várias vozes: precisamos fazer alianças para derrotar o bolsonarismo. Sem contar a quantidade de setores de direita e extrema-direita que fazem parte do executivo e dirigem ministérios (União Brasil, Republicanos, PSD, etc.). A verdade é que esses setores têm se fortalecido nos últimos dois anos. Só de emenda parlamentares, foram quase 63 bilhões de reais, grande parte delas indo para os deputados e senadores dos partidos de direita que fazem parte da tal aliança ampla. Essas emendas são usadas ao bel prazer por esses parlamentares, fortalecendo os seus currais eleitorais locais, privatizando as políticas públicas, já que agora não são do governo, mas de indivíduos com “boas intenções”, comprando ambulâncias para pequenas cidades e complementando orçamento de serviços públicos, quando não utilizando para favorecimentos pessoais e talvez para fortalecimento de milícias e compras de armas que executam indígenas e trabalhadores rurais. Essa forma de fazer política deixa pouca margem para ficarmos surpresos com os resultados eleitorais nos municípios.

Apesar de tudo isso, a economia tem mostrado bons índices: houve crescimento econômico, cerca de 4% em 2024, um dos maiores do mundo, a inflação está controlada (apesar de ter acelerado no fim do ano e ter estourado a meta, com 4,7%) e o desemprego está no seu nível mais baixo da história , com 6,1% no trimestre até novembro. O governo se pergunta, o povo não está vendo? Para as massas que sofrem o massacre diário de trabalho informal e mal pago, transporte caro, lotado e demorado, saúde mental abalada, crescimento da violência social, principalmente a da polícia, machismo, racismo, lgbtfobia, entre outros sofrimentos cotidianos, parece que os bonitos índices dos analistas econômicos não vão comover ninguém. E, de fato, o que temos visto é que tais índices parecem ter pouco ou nenhum impacto na vida de qualquer pessoa trabalhadora. De qualquer forma, não há genialidade que possa impedir a tendência: com a política econômica de ajuste fiscal e com uma crise estrutural global, Lula e Haddad não manterão esses índices por muito tempo.

Outra narrativa do lulismo serve para passar o pano: Lula é refém de um congresso conservador, está de mãos atadas. Que um congresso de maioria de direita e o capital vão avançar contra os direitos e por mais repressão e exploração, não deveria ser surpreendente. Mesmo que seja verdade que o congresso nacional está infestado com o que há de pior dos representantes do agronegócio, milicianos e fundamentalistas religiosos, o que não dá para explicar é que se combata esse setores os fortalecendo com orçamento, tapinhas nas costas e uma postura de refém voluntário, condição básica para uma aliança tão ampla que praticamente só deixa o próprio Bolsonaro de fora.

O plano estratégico do PT e do lulismo

Agora no quinto mandato presidencial, fica nítido o plano do PT para o Brasil e os seus resultados. É Incontestável os ganhos em termos de garantia de direitos e criação de políticas públicas que finalmente foram viabilizadas justamente durante esses governos: aumento real de salário mínimo, Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, cotas para negros e indígenas nas universidades, implementação da Política Nacional da Assistência Social, entre outras, todas elas frutos de lutas históricas da classe trabalhadora e de movimentos sociais. No entanto, a aplicação dessas políticas sempre vieram com a contrapartida, discursada abertamente pelas lideranças petistas, de um grande acordo nacional entre todas as classes e grupos políticos – só estariam de fora a “oposição de direita” e agora o “fascismo”.

A negação dos interesses contrários das classes sociais, das lutas de classes e do tamanho da crise do sistema, inclusive econômica, faz parte dessas narrativas, mas não os fazem desaparecer. As revoltas populares, o golpe de 2016, o crescimento da extrema-direita, o crescimento da repressão e violência em toda a sociedade brasileira são o “normal” desse período de aplicação da estratégia petista, e não a exceção, como querem nos fazer acreditar.

Desde o primeiro mandato de Lula, iniciado em 2003, até agora, qual é o saldo? Na narrativa lulista, houve avanços, apenas paralisados pelo golpe e o governo Bolsonaro. Mas nos últimos vinte anos, o saldo dos governos do PT de ampla aliança foi de aprofundamento da política de ajuste fiscal e redução do Estado para direitos sociais, avanço nas privatizações do patrimônio estatal, principalmente pelas Parcerias Públicas e Privadas (PPPs) e uso de Organizações Sociais (OSs), perda salarial e de direitos dos servidores públicos, avanço na desregulamentação do trabalho, incluindo a liberação das terceirizações no governo Dilma, forte retrocesso na reforma agrária, principalmente nas desapropriações, fortalecimento do agronegócio, dos latifúndios e dos transgênicos e da financeirização do campo, destruição da Amazônia e Cerrado, incluindo as grandes hidrelétricas dos governos do PT, desindustrialização e fortalecimento do caráter de produtor de commodities agrícolas e de mineração, a crescente militarização da política, aumento da violência racista, principalmente das polícias nas favelas com medidas como a lei antidrogas introduzido por governos do PT (a PM da Bahia, governada pelo PT é a que mais mata) e no campo contra indígenas etc, etc. 

Ou seja, na tentativa do PT de aparecer mais “confiável e responsável” para a burguesia, eles fortaleceram o sistema da classe dominante, avançando políticas de reformas estruturais liberais exigidas pelo andar de cima. Quando os tempos eram bons, como no boom de commodities dos anos 2000, houve espaço para aplicação de algumas políticas sociais, que efetivaram a conciliação de classes, mas isso mudou após as crises econômicas a partir de 2014. Isso abriu espaço para o golpe de 2016 e para que Temer e depois Bolsonaro, avançassem com uma agenda muito mais agressiva e bárbara que mirava em tirar o pouco de direitos que o povo tinha conquistado. 

Mas o que mais abriu esse espaço e o que faz parte do plano de apaziguamento social e consensos nacionais pretendidos na conciliação de classes do lulismo, é garantir para os “apoiadores do governo” da burguesia e da direita que não haverá grandes mobilizações da classe trabalhadora. Mas, caso ocorram essas mobilizações, que não tenham um programa ou reivindicações, que possam atrapalhar o plano de conciliação. O PT e Lula surgiram diretamente da luta de classes, da luta operária principalmente nos anos 1970 e 1980 e, com a exitosa luta contra a ditadura de toda a classe trabalhadora, este setor se transformou na principal direção da classe por mais de 40 anos. A CUT ainda é a central que mais dirige sindicatos no Brasil, que pode somar com a CTB, e a UNE para estudantes, com a mesma política. No campo, o MST, apesar de não ser organicamente ligado ao PT, também reflete a mesma política de conciliação. 

A narrativa do lulismo sobre os grandes protestos de 2013/2014, pintando-os como uma conspiração da direita, tem esse objetivo: desmotivar a mobilização popular independente. Em 2017, quando as massas começavam a participar de uma luta decisiva para derrubar Temer, a CUT boicotou deliberadamente a segunda Greve Geral, após a vitoriosa Greve Geral de abril e o Ocupa Brasília em maio, que haviaimpedido que a reforma da previdência avançasse naquele momento, com a promessa de que Lula ganharia em 2018. A luta pelo Fora Bolsonaro sempre foi trazida para o campo institucional e de atos de rua protocolares e, quando o bolsonarismo começou a fechar estradas após a vitória eleitoral de Lula, a orientação do lulismo era a de ficar em casa, pois o novo governo resolveria tudo. Na base dos sindicatos e movimentos, a estratégia é parecida, com burocracias locais com discursos inflamados contra o bolsonarismo, mas dificultando a organização pela base e de utilizar as ferramentas de luta históricas da classe trabalhadora como a greve, já que o projeto do lulismo é o centro do poder. 

Agora, são dois anos sem grandes lutas, sob um governo Lula mas com fortalecimento da extrema-direita, com a classe trabalhadora desmotivada para a ação pela direção majoritária dos sindicatos e movimentos. Este projeto do lulismo, de refrear as lutas e mobilizações populares independentes, ainda mostra uma face autofágica e irônica: a incapacidade dessas direções conseguirem mobilizar a sua base quando precisam, por exemplo, nas campanhas eleitorais. Após anos de desmobilização e atos de rua “para inglês ver”, a classe trabalhadora não reconhece essas convocatórias de atos como algo seu, não se identificam e não se engajam. Em dezembro, as direções lulistas convocaram novos atos pela prisão de Bolsonaro, e depois setores do movimento incluíram a pauta do fim da escala 6×1 e por orçamento para direitos. Embora estas pautas estivessem na convocação das mobilizações, a baixa divulgação, a falta de organizar a mobilização nas bases sindicais,estudantis e nos bairros, mostram mais uma vez a estratégia do lulismo: chamar mobilizações, mas com o freio de mão puxado. 

Diante das múltiplas crises estruturais que o capitalismo está passando agora, com um aumento da desconfiança nas instituições, em políticos e no sistema, as pessoas estão extremamente insatisfeitas e procurando alternativas ou algo que aponte para uma saída. Mas, a continuação da política de frentes amplas com os representantes do sistema, junto com uma defesa abstrata de instituições da democracia burguesa, enquanto lutas são freadas, são tão repetidamente frustrantes e desmobilizadoras, que não parece absolutamente nada surpreendente que essa classe cansada e desmotivada não vote mais no PT. 

As eleições municipais revelaram isso, com o PT ganhando apenas uma prefeitura de uma capital, Fortaleza, por uma margem minúscula. No resto do país, a esquerda institucional foi derrotada, inclusive em São Paulo, onde a candidatura de Guilherme Boulos pelo PSOL seguiu com a repetição dos mesmos métodos já criticados. O único lugar que o campo “progressista” (usando a mais ampla definição possível para a palavra) ganhou confortavelmente foi em Recife com João Campos do PSB ganhando no primeiro turno. O espaço deixado por não aparecer uma alternativa pela esquerda abriu espaço para novos fanáticos da extrema direita como o Pablo Marçal que, mesmo não ganhando, influenciou a conjuntura. 

Depois dos resultados, os comentaristas correram para declarar que essas eleições foram vitórias do centro. Mas na realidade muitas dessas figuras do suposto centro ganharam ou mantiveram seus mandatos com políticas da extrema direita, como Ricardo Nunes em São Paulo, Eduardo Pimentel em Curitiba e Bruno Reis em Salvador, além dos quatro candidatos do PL que levaram capitais. 

Bolsonaro vai ser preso?

Agora que começaram a sair os relatórios do inquérito da PF, fica mais nítida toda a conspiração de Bolsonaro e setor das Forças Armadas na tentativa de golpe no fim de 2022 e início de 2023. Todo mundo já sabia que essa era a estratégia de Bolsonaro caso perdesse as eleições, mas agora fica público de como pensaram a ação com detalhes. Só não deu certo pois não tinham suficiente apoio entre a burguesia, imperialismo e mesmo nas Forças Armadas.

Toda esta história mostra que a propaganda da força da democracia é uma mera ilusão. Na realidade, a correlação de forças entre as classes, inclusive dentro da burguesia, determina o que vai acontecer. Quando a burguesia sentiu a crise econômica apertando em 2015 e reagindo às grandes lutas de 2013/2014, uniu forças para dar um golpe em Dilma e apoiar Bolsonaro nas eleições de 2018 e finalmente passar a reforma da previdência em 2019. Quando Bolsonaro não foi suficiente como ferramenta para implementação das suas políticas e apareceu mais como o bufão sem noção, parte dela tirou o seu apoio e embarcou novamente na ampla aliança de Lula em 2022. Com a tentativa de golpe, está fácil para a burguesia apoiar a prisão de algumas centenas de bolsonaristas pobres e de classe média do 8 de janeiro e indiciar Bolsonaro e alguns militares. Mesmo com a prisão de Braga Netto em dezembro, as brechas na Justiça fazem os peixes grandes se livrarem das punições. Alexandre de Moraes e todo o judiciário são apenas ferramentas dessa estratégia da grande burguesia atrás da melhor paisagem para maximizar os seus lucros. 

O que está insuficiente neste cálculo de correlação de forças é a maior força social, capaz de mudar toda essa paisagem: a luta da classe trabalhadora organizada. Justamente em um período histórico de crise generalizada e no qual a burguesia se mostra dividida e sem controle, mostrada pela disruptiva extrema-direita que cresce e tem o seu próprio programa, a mobilização social de massas da população trabalhadora pode fazer toda a diferença para mudar a história.

Baseado nesse contexto, Bolsonaro será preso? No que depender do Judiciário dos ricos, pode demorar muito. Após o seu indiciamento e até uma possível condenação, podem se passar anos. Haverá recursos, dos quais, sem julgamento, ele ainda não poderá ser preso. Após trânsito em julgado (quantos anos no futuro?), aí sim poderá cumprir uma pena que ainda pode ser revertida em prisão domiciliar ou algo parecido. Claro que todas essas regras só valem para os ricos, já que o povo pobre, e principalmente o povo negro, é preso sem prova, nem julgamento. Pode haver uma prisão preventiva de Bolsonaro? Após todas as cenas que assistimos, se ainda não houve um pedido, parece improvável que isso aconteça nos próximos meses, mesmo após a prisão de Braga Netto. Mas, se a burguesia achar que sua prisão servirá aos seus interesses de repente, as coisas podem mudar de uma forma acelerada, como aconteceu com o próprio Lula. O que parece mesmo é que a burguesia ainda pode contar com a figura dele como carta na manga, que pode ser usada em uma possível nova grande crise política no país e mesmo uma possível prisão preventiva pode ser usada politicamente.

A justiça, mas especialmente o Supremo, nunca foi imparcial e está mergulhada na política. Figuras como Moraes estão atuando, pelo menos nesse momento, com mais sintonia com o Executiva em relação às questões da democracia burguesa que os interessa e de conter um inimigo comum que é o bolsonarismo que ameaça suas posições. Isso gera uma imagem que o Supremo estaria no “lado certo da história” mas isso é apenas uma ilusão. Não podemos esquecer, por exemplo, que Moraes foi uma indicação do golpista Temer.

A realidade é que a Justiça, assim como as outras instituições do Estado, tem a função de garantir o domínio de classes na nossa sociedade e não para fazer justiça, muito menos a social, nem para defender a democracia. Apenas as classes oprimidas na sua luta coletiva podem fazer isso, como foi em toda a história da sociedade humana.

2026 

Como já foi falado, houve tentativas de antecipar as eleições de 2026 nas eleições municipais. Agora, depois dos resultados, muitos já olham para o próximo período com isso em mente. Tanto a ameaça de prisões de bolsonaristas e militares, a inelegibilidade de Bolsonaro e outros, como as dificuldades do PT, levantam incertezas de como será o cenário até lá. 

Mesmo com toda a tentativa de agradar o “mercado” e a classe dominante, o PT está longe de uma posição confortável. Tudo ainda se volta ao redor da figura de Lula. Uma pesquisa da Quest de dezembro mostrou que, se o segundo turno fosse agora, Lula ganharia em todos os cenários, incluindo contra o então elegível Bolsonaro. Mas isso é apenas uma fotografia desse momento e ainda pode ocorrer muita coisa até lá. Há dúvidas se Lula terá condições de concorrer às eleições, com questões de saúde e a idade o afetando. Nesse cenário, o PT teria que enfrentar um problema histórico de não ter quadros à altura de Lula para concorrer às eleições presidenciais. Haddad ainda é a figura mais provável e nas pesquisas do Quest ainda sai em frente mas com um patamar menor (lembrando que isso também era verdade em 2018). Enquanto isso, o mercado revela seus desejos mórbidos quando, no momento em que Lula retorna para fazer novas cirurgias na cabeça, a bolsa dispara e o dólar cai. 

O que a burguesia na realidade quer é um deles de volta no comando. Querem um representante que seja mais previsível para eles e que possam garantir sua agenda. Figuras como Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e Ronaldo Caiado, governador de Goiás, são possíveis alternativas. Ambos são bolsonaristas mas vistos como “mais sérios” ou mais “técnicos”, ou seja, umas mãos mais confiáveis para garantir a agenda da burguesia. Mas, qualquer um que segue as notícias da violência policial ou a agenda de privatizações em São Paulo pode imaginar quem se beneficiaria e quem perderia com uma presidência de Tarcísio. 

Outros como Romeu Zema ou até filhos de Bolsonaro podem tentar se candidatar. Mas também há um perigo de novas figuras que estão surgindo agora diante das dificuldades do bolsonarismo, como Pablo Marçal, que rapidamente virou uma figura nacional e representa uma nova extrema direita não vinculada com os vacilos do Bolsonarismo e disputam sua base. 

A luta de massas da classe trabalhadora é o único meio de mudar a rota do abismo

Apesar de toda a repressão, a propaganda ideológica, os meios de distração usados pela burguesia e o trabalho cotidiano das burocracias lulistas em barrar a luta da classe trabalhadora, ela sempre ressurge, mesmo das cinzas. As contradições do sistema, a exploração, a opressão e a vida cotidiana da população são mais que motivos e causas para as grandes revoltas que a massa oprimida protagoniza. Embora muitos dos efeitos das eleições vividas neste ano de 2024 tentarem antecipar a corrida eleitoral de 2026, além do debate da superfície polarizante que centra nos possíveis candidatos a presidência, a única garantia de termos uma esquerda vitoriosa nas eleições presidenciais é se conseguirmos uma jornada de lutas que arranque vitória pelas ruas e que possa construir uma alternativa de poder que descarte de uma vez por todas o projeto de conciliação de classes.

Nos últimos meses, a pauta do fim da escala 6×1 e redução das jornadas de trabalho repercutiu amplamente em toda a sociedade graças a um esforço militante do movimento VAT e seu fundador , o jovem trabalhador LGBT+ e negro Rick Azevedo e impulsiondo pela Erika Hilton no congresso com um PL para acabar com a jornada. Incrível como algo simples fez tremer de medo a burguesia, calou o governo e colocou a extrema-direita contra a parede com a sua hipocrisia tosca. O que mostrou que  uma pauta de melhoria  na vida de milhões pode impulsionar lutas de massas – e a burguesia e os bolsonaristas sabem muito bem disso. 

Também, as mulheres vêm construindo grandes lutas no mundo todo, revoltadas com a violência machista e conquistando direitos, como pelo aborto. Esta consciência feminista cresce estruturalmente e na base da classe trabalhadora, principalmente na juventude, o futuro. As tentativas da extrema-direita de atacar direitos, como na PEC do estuprador, que retira qualquer direito ao aborto no Brasil, pode gerar uma ação de massas das mulheres jovens, como já aconteceu no início do ano com o PL 1904 e que os obrigou a recuar.

Além dessas ameaças orquestradas pela incidência da extrema direita e setor fundamentalista do parlamento, a prática dos governos municipais e estaduais têm seguido o desmantelamento dos serviços de abortos já legalizados, mostrando que o sucateamento da saúde serve também a uma política de direita privatista e de controle dos nossos corpos. Há uma insatisfação crescente sobre violência de gênero, as pessoas transsexuais e travestis, tiveram seu direito violado no ataque ao documento de identidade. Os índices de violência machista e lgbtfóbicas seguem altos, o feminicídio cresceu mesmo durante o governo de Lula. 

Da mesma forma, a consciência antirracista cresce e obriga parte da burguesia fazer diversas concessões e propagandear esta luta – perdem os dedos para não perder o braço. A grande burguesia entende que esta luta pode ser explosiva, ainda mais como revolta à violência das polícias militares cada vez mais denunciadas nas redes sociais com vídeos e todas as qualidades de provas. A burguesia e a extrema-direita sabem disso, ainda mais depois do levante do Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) em 2020, que deixou lições e avanços na consciência que se acumulam na experiência histórica de nossa classe.

As/os trabalhadora/es do serviço público também tem feito grandes lutas, já que uma boa parte das políticas de ajuste fiscal recai sobre a retirada dos seus direitos e com uma estratégia de fim desta categoria pelos planos de privatizações. A greve das universidades e institutos federais no primeiro semestre, a greve do INSS e diversos movimentos, greves e paralisações principalmente da educação municipal e estadual, como os movimentos contra o Novo Ensino Médio mostram o caminho. 

Ainda, estamos vivendo os anos em que as catástrofes climáticas e a crise ambiental se agudizam e jogam a humanidade a um abismo sem volta. O ano que iniciou com as catástrofes no Rio Grande do Sul expôs que o capitalismo não tem nenhum controle ou projeto para os efeitos das mudanças climáticas. Seguimos o ano com novos eventos em todos os cantos do país de proporção continental. Em todos eles, a conta mais alta foi dos mais pobres da classe trabalhadora. Efeitos que impactam mais nas regiões de maior desigualdade econômica como Norte e Nordeste do país. 

Nestes momentos de alarme absoluto e calamidade social, a maior solidariedade é entre a classe trabalhadora que utiliza de todos os métodos disponíveis ao seu alcance para apagar incêndios, mobilizar distribuição de alimento e mantimentos, organizar doações e apoio a vítimas de perdas de suas casas, de intoxicação grave por fumaça diante das queimadas, e todas as outras formas que lhe forem possível. Enquanto isso, vimos uma eleição municipal que não foi capaz de trazer soluções contra esse sistema nefasto que causa sempre a próxima grande crise, isso mesmo diante de uma dos maiores apagões de energia vividos na capital mais rica da América latina, como São Paulo em meio a eleições. 

A saída para a crise generalizada e mundial do sistema, da humanidade e do planeta Terra só pode vir da mobilização e luta coletiva das massas oprimidas. Enquanto o capitalismo continuar a sua marcha, o caminho para o abismo é certo. Não é um ou outro governo de esquerda ou Lula, como todo respeito a sua grande importância histórica, que podem mudar esta marcha, já que se propõem a mantê-la. A humanidade pode reverter este caminho, desde que construa coletivamente e através das lutas um projeto de sociedade anti-capitalista, de convivência com a natureza e os recursos naturais, de justiça e harmonia social, de liberdade, igualdade e fraternidade, um projeto socialista para o futuro.