– Artigo publicado originalmente pelo Parti Socialiste de Lutte / Linkse Socialistische Partij (secção da ASI na Bélgica) a 14 de Julho de 2024. Relacionado com o artigo traduzido “A Quarta Internacional e a Guerra” –
1933: Hitler chega ao poder na Alemanha. Contrariamente à ideia geralmente aceite, as razões desta vitória residem menos na força do nazismo do que nas fraquezas da direção do movimento operário da época. As políticas da social-democracia e da direção do Partido Comunista Alemão e da Internacional Comunista, a Terceira Internacional, tinham permitido que a barbárie nazi se abatesse sobre o proletariado alemão sem luta. Para Trotsky, era altura de construir uma nova internacional, fundada em 1938.
Nessa altura, o estalinismo tinha reduzido irremediavelmente a Internacional Comunista, o instrumento da revolução mundial, ao estatuto de mero brinquedo nas mãos da burocracia que tinha usurpado o poder na União Soviética e traído a revolução. Foi finalmente dissolvida unilateralmente por ordem de Estaline em 1943, a fim de facilitar as relações da URSS com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.
Com a iminência de uma nova guerra mundial, Trotsky previu que esta precipitaria uma nova vaga revolucionária não só nas potências imperialistas mas também nas colónias. A criação da Quarta Internacional era urgentemente necessária para enfrentar estes desafios. Aos que apontavam a fraqueza numérica deste partido mundial da revolução, Trotsky respondia que “também a Revolução de Outubro começou a caminhar com sapatos de criança”. Para ele, dentro de 10 anos não deveria restar nada das velhas organizações que tinham traído, e a Quarta Internacional deveria então constituir a força revolucionária decisiva no planeta.
No entanto, todas as perspectivas são condicionais. Muitos fatores económicos, políticos e sociais surgem e interagem entre si. Em qualquer época, é fundamental avaliar e adaptar as perspectivas traçadas, pois são elas que orientam a ação revolucionária. Isto é ainda mais verdade no contexto de um acontecimento tão poderoso como uma guerra mundial. Pode ocorrer uma evolução fundamentalmente diferente da prevista, e agarrarmo-nos a perspectivas ultrapassadas é um erro pelo qual há sempre um preço elevado a pagar. Infelizmente, foi o que aconteceu com a Quarta Internacional.
Os estragos da Segunda Guerra Mundial na Quarta Internacional
As tarefas a que a Quarta Internacional se propôs não eram pequenas e os obstáculos que enfrentava eram imensos. À repressão do Estado juntaram-se os ataques criminosos dos agentes soviéticos. Um dos secretários de Trotsky, Rudolf Klement, foi raptado e cortado em pedaços em Paris, na véspera da criação da Quarta Internacional. O próprio Trotsky foi assassinado em agosto de 1940. Durante a guerra, dezenas de militantes foram fuzilados ou mortos nos campos de concentração nazis, entre os quais destacados dirigentes, como o francês Marcel Hic e os belgas Léon Lesoil e Abraham Léon, autor da monumental “Conceção Materialista da Questão Judaica”.
Nem mesmo a guerra conseguiu parar a máquina de matar estalinista. O dirigente italiano Pietro Tresso foi liquidado juntamente com camaradas franceses, por resistentes estalinistas sob ordens de Moscovo. Na China, no Vietname, na Jugoslávia e na Grécia, os apoiantes de Estaline orquestraram uma verdadeira campanha de assassínio em massa para acabar com as organizações trotskistas. Ao mesmo tempo, na Índia, muitos trotskistas foram massacrados quando organizavam lutas camponesas contra a fome e a guerra.
Este enfraquecimento do quadro da Quarta Internacional deve ser tido em conta na série de dificuldades em compreender a nova situação. Aqueles que assumiram a direção da Internacional interpretaram as perspectivas de 1938 não como uma hipótese de trabalho, mas como uma tese literalmente correta, apesar de a guerra se ter desenvolvido de uma forma que nem mesmo o maior dos génios teóricos poderia ter previsto. É de salientar, no entanto, que já em fevereiro de 1940, Trotsky previa a opção de os Estados Unidos entrarem na guerra e Estaline tentar chegar a um melhor acordo com as potências imperialistas aliadas. (A discussion with Carleton Smith, 2 de fevereiro de 1940)
Quando o 2ᵉ Congresso da Internacional se realizou em abril de 1948, a discussão sobre o balanço dos primeiros dez anos de existência da Internacional e a sua política durante a guerra durou apenas meia hora! No entanto, havia muito para debater, dada a variedade de posições adoptadas em vésperas da guerra e durante a mesma, numa situação em que a comunicação entre as várias secções era praticamente impossível (a este respeito, recomendamos vivamente a leitura de History of British Trotskyism, de Ted Grant, em particular sobre o tema da Política Militar Proletária proposta por Trotsky).
Inacreditavelmente, Michel Pablo, que se tornou a figura central da Quarta Internacional, explicou que “em todo o lado a tendência geral é para a transformação das organizações da Quarta Internacional em verdadeiros partidos de massas. Há já uma série de organizações que estão a cumprir esta tarefa com um sucesso crescente e que, através da sua experiência, estão a apontar o caminho para as massas de todo o nosso movimento internacional. (…) As condições objectivas permanecem favoráveis ao reforço das nossas organizações e à sua transformação mais ou menos rápida em partidos de massas”. Esta declaração, mais encantatória do que analítica, ilustra perfeitamente a atitude dos dirigentes oficiais da Quarta Internacional no imediato pós-guerra. Perante uma situação inesperada e complexa de compreender, reagiram com simplificações esquerdistas.
Na ausência de revolução, ditadura ou “reação sob forma democrática”?
Eles tinham defendido que apenas ditaduras militares eram possíveis na Europa, uma vez ganha a vitória pelas potências imperialistas aliadas. É verdade que, em 1940, o Secretariado internacional tinha considerado que, se a Grã-Bretanha instalasse de Gaulle em França, o seu regime não seria diferente do governo de Pétain. Este erro, como outros, era compreensível no contexto da época, mas tinha de ser corrigido e as perspectivas adaptadas.
Os trotskistas ingleses em torno de Ted Grant vinham trabalhando pacientemente nisso desde 1943, particularmente à luz do poderoso movimento grevista no norte da Itália naquele ano: “Na ausência de partidos trotskistas experientes, com uma tradição e com raízes nas massas, a primeira etapa das lutas revolucionárias na Europa será provavelmente seguida por um período de kerenskismo ou de Frente Popular. Isto já pode ser previsto pelas primeiras lutas dos trabalhadores italianos e pelas repetidas traições da social-democracia e dos estalinistas”.
Em 1946, em “Democracia ou Bonapartismo na Europa”, Ted Grant tentou corrigir as teses defendidas por Pierre Frank para o Secretariado internacional: “Nada mais salvou o sistema capitalista na Europa Ocidental do que a traição da social-democracia e do estalinismo. Quando a burguesia se apoia nos seus agentes social-democratas e estalinistas para fins contra-revolucionários, qual é o “conteúdo” dessa contrarrevolução? Bonapartista, fascista, autoritária? Claro que não! É uma ‘contrarrevolução sob forma democrática’”.
A evolução do bloco estalinista e o bonapartismo proletário
Os dirigentes oficiais da Quarta Internacional também foram apanhados de surpresa pelas transformações sociais em curso na Europa Central e Oriental e por todos os desenvolvimentos importantes no bloco estalinista. Reagiram de forma fragmentada e empírica, capitulando perante a realidade imediata, sem antecipar a evolução dos agrupamentos e das tendências. Esta atitude foi agravada por uma procura desesperada de atalhos e de uma espécie de Messias para sair do isolamento e ter finalmente uma base de massas.
Depois de sonhar com a transformação dos grupos trotskistas em partidos de massas, o Secretariado internacional passou a sonhar com a transformação do Partido Comunista Jugoslavo num partido trotskista. O jornal trotskista francês La Vérité colocou a questão já em 1948: Tito é um trotskista? Pierre Franck escreveu, em fevereiro de 1949, que “um partido estalinista que rompe com Moscovo deixa de ser um partido estalinista, mesmo que ainda conserve o regime interno, o modo de pensar e as palavras de ordem de Estaline”. Em 1956, foi a vez de o dirigente polaco Gomulka ser visto como um representante do “comunismo democrático”, apesar de representar uma ala da burocracia polaca que queria tornar-se relativamente independente da burocracia russa. Tal como Khrushchev na União Soviética, estes burocratas não desejavam regressar às políticas e ao programa da revolução de Outubro de 1917.
Às ilusões sobre a “desestalinização” da União Soviética após a morte de Estaline vieram juntar-se outras a seguir à cisão sino-soviética na década de 1960. Depois de Tito, Mao tornou-se um novo salvador e a China um Estado operário saudável com pequenos defeitos. Em Itália, os líderes do “trotskismo”, agrupados em torno de Livio Maitan, ajudaram a dar ao maoísmo uma base de massas, publicando e divulgando literatura maoísta no Partido Comunista Italiano, cujo principal efeito foi semear a confusão teórica e a desmoralização nas suas próprias fileiras. A abordagem dos dirigentes da Quarta Internacional foi rica em desilusões e desapontamento.
Nos países coloniais e ex-coloniais, o pós-guerra foi um período de convulsão sem precedentes, no contexto de um mundo bipolar dominado pela União Soviética, a Leste, e pelo imperialismo americano, a Oeste. As lutas de massas reuniram dezenas e centenas de milhões de pessoas em África, na Ásia e na América Latina. Na China, em Cuba, na Birmânia, na Síria, no Camboja, no Vietname, em Angola, em Moçambique, na Etiópia e noutros locais, foram instaurados regimes que, do ponto de vista da evolução anterior à guerra, eram todos novos e especiais. Dado o atraso da revolução nos países avançados, a degeneração do movimento estalinista mundial e a ausência de verdadeiros partidos revolucionários de massas, todos os tipos de novas formações sociais eram possíveis.
As ideias fundamentais elaboradas por Trotsky na sua Teoria da Revolução Permanente, relativas aos processos revolucionários nos países economicamente subdesenvolvidos, encontraram assim uma aplicação totalmente nova e distorcida no período do pós-guerra. Os dirigentes da Quarta Internacional não compreenderam as consequências inevitáveis de uma revolução colonial levada a cabo até à eliminação do capitalismo e da propriedade fundiária sem que a força principal fosse a da classe operária com uma direção marxista.
Com base no modelo já existente da burocracia totalitária na Rússia, foram criados regimes segundo as mesmas linhas: propriedade estatal e planeamento da economia, governo de partido único e supressão dos direitos democráticos. Estes regimes “bonapartistas proletários” foram estabelecidos com base em guerras camponesas, com uma variedade de líderes pequeno-burgueses ou estalinistas, com a classe trabalhadora a desempenhar um papel relativamente menor. O processo foi mais bem sucedido em alguns países e menos noutros, como a Síria e a Birmânia.
A análise de Ted Grant foi um contributo importante para o desenvolvimento do marxismo. Foi ela que ajudou os antecessores da Alternativa Socialista Internacional a não perseguir os diferentes líderes destes movimentos acríticos, por vezes gritando como único slogan “Hô, Hô, Hô Chi Minh – Che, Che, Guevara”.
Por seu lado, os dirigentes da Quarta Internacional insistiam que a revolução colonial podia resolver os problemas da sua organização. Desanimados com a falta de sucesso, culpavam a classe operária dos países ocidentais, afirmando que os trabalhadores tinham sido corrompidos pela prosperidade económica.
Análise económica e entrismo
A destruição maciça dos meios de produção e das infra-estruturas durante a Segunda Guerra Mundial tinha criado as condições para a reconstrução com meios modernos e, portanto, para a recuperação económica nos Estados Unidos e na Europa, enquanto a traição dos dirigentes reformistas e estalinistas fornecia as suas premissas políticas. Michel Pablo, James Canon, Ernest Mandel e os seus apoiantes, no entanto, agarraram-se à ideia de que o imperialismo americano nunca viria em socorro das classes dominantes da Europa Ocidental, porque estas eram suas rivais. Estavam cegos relativamente à relação de forças entre classes e entre nações que tinha resultado da guerra, particularmente o equilíbrio de poder entre a Rússia e os Estados Unidos. Mais uma vez, não compreenderam a nova situação mundial: um mundo bipolar onde, no bloco ocidental, os concorrentes dos Estados Unidos tinham sido destruídos pela guerra.
Na Grã-Bretanha, o entrismo foi defendido no seio do Partido Trabalhista no imediato pós-guerra, com base numa visão errónea de uma recessão iminente que conduziria a uma radicalização no seio do partido. Este entrismo, que foi aceite e praticado por alguns trotskistas britânicos, foi praticado através da moderação da defesa das ideias marxistas, a fim de se mover mais facilmente nos círculos reformistas e tentar atrair reformistas de esquerda.
A abordagem foi então teorizada sob a forma de um novo tipo de entrismo, por oposição ao entrismo aberto de “bandeiras desfraldadas” defendido por Trotsky nos anos 30, denominado “sui generis” e oculto. Esta conceção resultava da convicção de que a Terceira Guerra Mundial estava iminente e que não restava tempo para os revolucionários construírem partidos revolucionários, o que os obrigava a aderir aos partidos operários (estalinistas ou sociais-democratas) e a permanecer neles a todo o custo. De acordo com esta abordagem, defender abertamente o programa do marxismo revolucionário equivalia a ser excluído e, portanto, a afastar-se das massas. No número de Janeiro-Fevereiro de 1954 da revista “Quarta Internacional”, a tática foi descrita como “uma compreensão nunca antes igualada na história do movimento operário de como se integrar no movimento real das massas”.
Isto teve consequências dramáticas, particularmente durante a greve geral de 5 semanas no inverno de 60-61 na Bélgica, onde a secção belga seguiu os passos do líder reformista André Renard ao ponto de não ter um jornal trotskista até depois da greve. Da mesma forma, os apoiantes franceses de Mandel deixaram passar o Maio de 68 sem um jornal que interviesse nesta situação revolucionária e vendesse as suas ideias: o primeiro exemplar do “Rouge” data de Setembro de 1968.
Depois de terem argumentado que as economias dos países capitalistas não podiam ser reconstruídas, afirmaram que seria impossível ultrapassar um determinado limite máximo, fixado no nível mais alto atingido antes da guerra. Este teto foi então ultrapassado. Por fim, como a realidade teimava em ir na direção oposta, passaram de um extremo ao outro, explicando que o capitalismo tinha mudado, o que Mandel teorizou como “capitalismo tardio” ou “terceira idade do capitalismo”. Segundo ele, graças, nomeadamente, à extensão do crédito e ao GATT (Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio), concluído em 1947, as contradições internas do capitalismo (Estados nacionais e propriedade privada dos meios de produção) tinham sido ultrapassadas.
Este facto foi ilustrado, por exemplo, num documento do Congresso Mundial de 1965, quando Ernest Mandel substituiu Pablo como líder incontestado da Internacional, “A evolução do capitalismo na Europa Ocidental e as tarefas dos marxistas revolucionários”. Nesse texto, lê-se que a próxima recessão, a existir, “não será uma crise económica grave do tipo das de 1929 ou 1938. De facto, como explicámos em pormenor noutros documentos da Internacional, o imperialismo tem a possibilidade de amortecer uma crise aumentando a despesa pública – à custa do poder de compra da moeda”. Depois veio a crise dos anos 70 e a ascensão do neo-liberalismo.
Não previram nem foram capazes de explicar e avaliar corretamente a evolução económica. Por conseguinte, tal como muitas correntes de esquerda da época, adaptaram-se a diferentes aspectos da social-democracia, do estalinismo ou mesmo de diferentes escolas da classe dominante.
Firmeza nos princípios, flexibilidade na abordagem
Não faltaram dificuldades durante todo este período e, mesmo com uma abordagem correcta, a construção de partidos revolucionários de massas não era uma tarefa fácil. Mas a série de erros de perspetiva dos dirigentes da Internacional sobre todo o tipo de questões veio agravar as dificuldades. Como observou Ted Grant, “a tarefa dos marxistas é combinar a intransigência teórica com a maior flexibilidade tática, de modo a aproximarem-se da classe operária. Os erros podem ser graves; a incapacidade de os corrigir é fatal. (…) As questões teóricas não foram levadas a sério; foram subordinadas aos caprichos arbitrários da camarilha dirigente. Após 25 anos deste regime, são incapazes de se aproximar do marxismo, política e organizacionalmente. Ele impregna tudo: os seus métodos de pensamento, os seus métodos de trabalho, o seu ponto de vista geral”. (“Programa da Internacional”)
Os antecessores do Partido Socialista de Luta (PSL) e as suas organizações irmãs em todo o mundo, em torno de Ted Grant e outros, envolveram-se em todos estes debates com paciência e procurando desenvolver um entendimento comum com base na experiência concreta. Havia diferenças fundamentais de opinião sobre a China, o conflito sino-soviético, Cuba, a guerrilha e a revolução colonial, o papel da classe operária, o papel dos estudantes, etc. Mas os nossos camaradas da altura concentraram-se na política e na procura de profundidade teórica, apesar das várias manobras dos dirigentes oficiais da Quarta Internacional. No final, foi durante uma dessas manobras, no Congresso Mundial de 1965, que fomos reduzidos à categoria de secção simpatizante e não oficial da Internacional e, na prática, excluídos, pela recusa em discutir o assunto.
A releitura dos textos e documentos dessa época, bem como dos posteriores, incluindo os graves erros políticos que o próprio Ted Grant cometeu no final dos anos 80, é inestimável para nos armarmos politicamente para enfrentar os desafios da “Era da Desordem” e da luta pelo socialismo no século XXI.
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