– Artigo publicado originalmente pela Alternative Socialiste Internationale – France (secção da ASI em França) a 24 de Junho de 2024 –
Perante a ameaça do pior, a Nova Frente Popular desperta a esperança
Um terramoto. E a palavra é fraca. O Rassemblement National (RN) tinha-o sugerido durante toda a campanha; Macron fê-lo: dissolver o Parlamento e provocar assim a organização de eleições legislativas antecipadas. Tendo em conta a subida dos resultados do RN nas eleições de 2017 e 2022 e agora nas eleições europeias (31,4%, a par dos 5,5% do partido de Eric Zemmour), pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a extrema-direita poderá chegar ao poder.
Assim que as eleições antecipadas foram anunciadas, a confiança dos indivíduos e grupos violentos de extrema-direita foi reforçada: “Mal posso esperar por daqui a três semanas, vamos poder esmagar os paneleiros tanto quanto quisermos”, disse um dos quatro militantes que espancaram uma pessoa LGBTQIA+ em Paris. Um deles, Gabriel Loustau, líder local da milícia GUD, é filho de um antigo membro do Rassemblement National. Um governo do RN seria desastroso para a classe trabalhadora, mas particularmente para aqueles que já são discriminados, devido às políticas introduzidas, ao desencadeamento da violência policial e ao aumento da confiança de grupos e indivíduos violentos.
O possível futuro que se desenha dá-nos vontade de vomitar: direitos sindicais enfraquecidos; cortes nos subsídios públicos aos centros de planeamento familiar, às organizações socioculturais e às organizações ecológicas; ataque à liberdade de imprensa e privatização da radiodifusão pública; aumento do autoritarismo e uma avalanche de nomeações pró-direita na administração e na justiça… Tudo isto terá consequências graves, possivelmente durante muito tempo, mesmo que a extrema-direita perca o poder.
O jogo aventureirista de Macron
Os instrumentos políticos da classe dominante estão num estado lastimável após décadas de rutura social, como foi mais uma vez sublinhado. Não só os partidos pró-Macron obtiveram um resultado historicamente baixo nas eleições europeias (14,6%, com 48,5% de abstenção!), como a nova vitória eleitoral do RN e as eleições antecipadas destruíram o histórico partido de direita Les Républicains.
Em 2022, Macron tornou-se o primeiro presidente recém-eleito a não obter a maioria absoluta dos deputados. Os seus governos tiveram de fazer malabarismos durante dois anos com uma procura constante de aliados na Assembleia Nacional. Mas as políticas de Macron tornaram-se tão impopulares que mesmo os republicanos já não conseguiam justificar o seu apoio ocasional aos macronistas. Durante o poderoso movimento contra a reforma das pensões, em março de 2023, uma moção de censura esteve a 9 votos de derrubar o governo. Os republicanos começavam a planear lançar eles próprios este processo no outono de 2024, a propósito do orçamento. Este é um dos motivos que levaram Macron a dissolver a Assembleia Nacional e, por conseguinte, a convocar eleições antecipadas. Esperar até ao outono teria significado perder o controlo dos acontecimentos e permitir que a oposição se preparasse.
Macron contava com uma esquerda fracturada e com a vantagem de se apresentar de novo como o único baluarte contra a extrema-direita. Mas abriu-lhe o caminho e estendeu-lhe o tapete vermelho com as suas políticas anti-sociais (reforma das pensões, etc.), mas também com as suas políticas racistas (leis sobre “segurança global”, “contra o separatismo” e “asilo e imigração”; “Operação Wuambushu” em Mayotte, etc.) e sexistas (relegando a violação para um “sub-crime” ao retirar o julgamento por júri popular nos tribunais de primeira instância). A isto juntam-se a linguagem e a atitude dos macronistas e do próprio Macron: homenagem a Pétain, acusações de “islamo-esquerdismo”, estigmatização constante da população muçulmana, apoio a Depardieu… A 18 de junho, em plena campanha eleitoral, Macron foi mais longe com as suas declarações transfóbicas, referindo-se ao programa da Nova Frente Popular: “há coisas grotescas, como o direito de mudar de sexo na câmara municipal”. Os macronistas e os grandes meios de comunicação social (especialmente os que pertencem a Bolloré) abriram caminho para que Le Pen/Bardella seja o maior partido e, talvez, amanhã esteja no poder.
A Nova Frente Popular
Macron estava a contar com a divisão à esquerda, mas a pressão das camadas progressistas da sociedade foi tal que os vários partidos de esquerda foram obrigados a chegar a um acordo em 24 horas, formando a Nova Frente Popular.
La France Insoumise (FI), o Parti Socialiste (PS), Les Écologistes e o Parti Communiste Français (PCF) formaram assim o Nouveau Front Populaire (NFP), com um acordo para que cada formação tivesse o “monopólio” de uma grande maioria dos círculos eleitorais, para evitar a concorrência entre estas formações. Quando as eleições antecipadas foram anunciadas, várias associações militantes (nomeadamente #NousToutes) apelaram imediatamente à formação de uma tal aliança. O anúncio de um acordo suscitou a esperança de milhões de pessoas de impedir que a extrema-direita chegasse ao poder e de, finalmente, adotar políticas no interesse da classe trabalhadora e do povo oprimido. O anúncio levou diretamente a uma onda de apoio do sector do associativismo e dos sindicatos, com algumas organizações a aderirem ao NFP.
Em 2022, o resultado de Jean-Luc Mélenchon na 1ª volta das eleições presidenciais estabeleceu a hegemonia de La France Insoumise na esquerda, que se materializou depois sob a bandeira da NUPES (Nouvelle Union Populaire Écologique et Sociale). Desde então, a união da esquerda sofreu um reequilíbrio de forças simbolizado pela distribuição de círculos eleitorais menos favoráveis à FI e muito mais favoráveis ao PS.
O programa comum do NFP inclui algumas medidas muito boas, que romperiam com os anos Macron e os seus antecessores, e melhorariam claramente a vida quotidiana de dezenas de milhões de trabalhadores. O NFP propõe “20 actos de rutura nas primeiras 2 semanas, para que a vida mude a partir do verão de 2024”, com a revogação da reforma das pensões e da reforma do seguro de desemprego, o congelamento dos preços essenciais, o SMIC a 1.600 euros líquidos (2.000 euros brutos), a indexação dos salários à inflação, a contratação de funcionários públicos, etc. O NFP quer também regressar a uma idade de reforma de 60 anos, aplicar uma redução colectiva do tempo de trabalho e rejeitar os tratados europeus de austeridade. Para financiar o programa, defende a reintrodução do imposto sobre o património, reforçado com uma vertente ecológica; a tributação dos superlucros; e um sistema de imposto sobre o rendimento mais progressivo. Trata-se claramente de um programa que representa uma rutura com a política atual, embora menos acentuada do que a da FI ou do NUPES.
Todos unidos contra a FI e a causa palestiniana
Durante toda a campanha eleitoral europeia, os grandes meios de comunicação social e os macronistas acusaram constantemente a FI de “antissemitismo” e de “apoio aos terroristas do Hamas”, com base em mentiras repetidas vezes sem conta na televisão e em entrevistas. Foi uma verdadeira caça às bruxas que estigmatizou todos os que queriam defender a causa palestiniana. A advogada franco-palestiniana Rima Hassan, em particular, foi alvo de uma perseguição implacável. Infelizmente, os 3 aliados da FI no NFP, na melhor das hipóteses, mantiveram o silêncio perante estes ataques desprezíveis e, muitas vezes, transmitiram-nos, nomeadamente no PS e no seu aliado Place Publique, cujo líder Raphaël Glucksmann encabeçou a lista para as eleições europeias.
A dinâmica do NFP é importante e oferece a possibilidade de impedir a chegada do RN ao poder e de implementar medidas importantes para a nossa vida quotidiana. Mas existe uma verdadeira e legítima repulsa por partidos como o PS, mesmo quando expurgado dos seus elementos mais à direita, dos ecologistas, e até, em certa medida, do PCF. Como disse um sindicalista desiludido: “tentámos a direita e fez-nos mal, tentámos a esquerda e também nos fez mal, porque não tentar o RN”.
O Partido Socialista e os Verdes foram educados para cogerir o sistema e estão profundamente infectados por ele. Seria extremamente surpreendente se, numa situação de crise, estivessem dispostos a tomar as medidas necessárias, escolhendo inequivocamente o lado dos trabalhadores em vez do lado dos patrões e do mercado. Os apoiantes do capitalismo saberão com quem falar. O NFP foi formado por apparatchiks; é preciso levá-lo mais longe, mobilizando o entusiasmo que, felizmente, não falta em vastas camadas da população.
Construir comités antifascistas democráticos
Votar à esquerda não é uma alternativa à luta. É preciso construir um movimento no espírito da luta contra a reforma das pensões, que combine a força considerável do movimento operário organizado, graças à arma da greve reconduzível, com a vontade corajosa e inspiradora de lutar por mudanças fundamentais em benefício dos jovens e dos oprimidos, que pode estimular a luta de classes como um todo.
Poderiam ser criados comités democráticos de resistência antifascista em todos os bairros populares, subúrbios, escolas, universidades e locais de trabalho. Estes comités poderiam apoiar o voto no NFP e preparar-se, uma vez terminadas as eleições, para resistir à extrema-direita no poder ou para assegurar que os representantes eleitos do NFP cumprem as suas promessas.
Este seria um excelente trampolim para novas acções, pois o programa do NFP é interessante, mas não é suficiente. Para responder realmente às necessidades da classe trabalhadora, dos jovens e dos oprimidos e, ao mesmo tempo, desafiar os interesses da classe capitalista, é necessário apresentar exigências de nacionalização de sectores-chave da economia sob gestão e controlo públicos, a começar pelos sectores financeiro e energético, para poder ter um verdadeiro controlo dos preços e, ao mesmo tempo, financiar o planeamento ecológico.
Reunião Aberta – 1934-1936: da provocação fascista ao potencial revolucionário
A 6 de fevereiro de 1934, a extrema-direita manifestou-se nas ruas de Paris. A manifestação terminou em violentos confrontos com a polícia. O perigo que a extrema-direita representou em França tornou-se particularmente evidente. Mas a reação antifascista dos trabalhadores foi rápida e travou o perigo fascista.
Esta reunião será online e todas as informações necessárias para aceder à mesma estão disponíveis utilizando este código QR.
O impulso gerado nessa altura levou às greves e ocupações de fábricas de 1936, que lançaram as bases de importantes conquistas sociais, como a semana de 40 horas e a extensão das férias pagas a todos os trabalhadores. Esta greve geral desenvolveu-se espontaneamente após a vitória eleitoral da Frente Popular, uma aliança entre os socialistas (SFIO), os comunistas (PCF) e o Partido Radical, o partido central dos governos do período entre guerras. O ambiente nas empresas era de festa: os trabalhadores sabiam que tinha chegado o seu momento. O jornal “Le Temps”, que Trotsky descrevia como “a burguesia em forma de jornal”, descrevia com horror a forma como os trabalhadores se comportavam nas fábricas: como se já fossem os seus donos.
O impacto do movimento estendeu-se para além de França, influenciando a dinâmica da greve geral de junho de 1936 na Bélgica, que lançou as bases da segurança social do pós-guerra. O êxito do movimento de massas em França tinha potencialidades não só para derrubar o capitalismo, mas também para aprofundar o processo revolucionário em Espanha e dar um golpe decisivo no fascismo na Alemanha e em Itália. Isto teria tornado inevitável a eclosão de uma revolução política na União Soviética contra a ditadura burocrática estalinista e a favor da restauração da democracia operária, desta vez sem que a revolução fosse isolada. Provavelmente, o horror da Segunda Guerra Mundial nunca teria acontecido.
Mas a política do governo da Frente Popular manteve-se estritamente dentro dos limites estreitos do capitalismo. E, como salientou Daniel Guérin no seu relato dos acontecimentos, “uma revolução que pára de avançar está condenada a regredir”. No final, o governo da Frente Popular durou apenas dois anos e, uma vez de volta ao poder, a direita vingou-se selvaticamente do pânico que tinha sentido.
Que lições podemos tirar desta situação para as lutas de hoje? Venham discuti-las connosco! Perante a ameaça do pior, a Nova Frente Popular desperta a esperança.