Contra a crise do capitalismo e o crescimento da extrema-direita, intensificar as lutas por boas condições de vida

ASI em Portugal
Por ASI em Portugal

– Artigo publicado como Editorial do jornal número 3 (Novembro/Dezembro 2023) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –

Pode não ser claro o grau de corrupção dos negócios visados pela Operação Influencer, o papel dos ministros e do primeiro-ministro António Costa, a motivação do ministério público ao lançar uma vaga acusação sobre Costa, ou a prontidão deste em demitir-se no dia 7/11. No entanto, o processo de queda do governo deixa outras verdades a nu:

  • O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a falsa transição energética, promovidos pela UE, são terrenos de disputa de muitos milhões de euros entre setores da burguesia, que propiciam o lobbying e a corrupção, para além do desrespeito pelos interesses sociais e ambientais.
  • O lobbying e o tráfico de influências, legais ou não, são o funcionamento normal da democracia capitalista. Os capitalistas discutem os seus interesses entre si e com os representantes do Estado, e estes tomam decisões sobre a nossa vida coletiva em função desses interesses, enquanto comité de gestão dos negócios da classe dominante. É isso que mostram os processos dos projetos de mineração de lítio, de produção e exportação de hidrogénio e de construção de um centro de dados, alimentados por mega centrais de energias renováveis, com declarações de impacte ambiental favoráveis mas que prometem prejudicar gravemente o ambiente e as populações. O capitalismo é democrático apenas para os poucos que concentram poder económico e político. A corrupção pode surgir como efeito secundário do lobbying e como consequência dessa concentração de poder. Só a propriedade pública e o controlo dos trabalhadores e das populações sobre a produção e os novos investimentos permitem evitar essa concentração e ter uma verdadeira democracia que satisfaça as necessidades sociais e ambientais.
  • Desde as acusações do ministério público, a prioridade dos dirigentes do Estado tem sido garantir ao capital estrangeiro a manutenção dos investimentos. O discurso de Costa a 11/11 foi claríssimo nesse aspeto. Nem uma palavra para quem sofre com a inflação, a falta de habitação digna acessível ou a destruição dos serviços públicos, mas mais de meia hora de discurso para os investidores, possivelmente a pedido das instituições da UE. Costa pretendeu dar garantias que os investimentos visados pela investigação judicial estão seguros, que o lobbying funciona em Portugal e que o Estado tudo fará para garantir a acumulação de capital destes e de futuros investidores. Este episódio mostra a posição periférica de Portugal na UE, neste caso essencialmente enquanto exportador de matéria-prima para indústrias europeias (lítio e hidrogénio), e a subserviência em relação ao capital estrangeiro, especialmente em relação às burguesias mais fortes da UE.

Tornou-se evidente a crise do governo do PS, incapaz de dar garantias de estabilidade à classe capitalista, apesar da maioria absoluta. Os últimos dois anos foram marcados por demissões sucessivas de ministros por envolvimento em negócios sujos, tendo até o presidente da república sido apanhado em favorecimento indevido no hospital de Santa Maria, pelo deterioramento dos serviços públicos e condições de vida e pelo crescimento do número de greves e de grandes manifestações. Nomeadamente, o facto do governo do PS se mostrar incapaz de impedir as impactantes greves nos setores da saúde e da educação e as crescentes mobilizações pelo direito à habitação deve causar receios entre a classe dominante. Eis as circunstâncias que levam à dissolução do Parlamento após a aprovação do Orçamento do Estado para 2024 (OE24) e à convocação de eleições legislativas para 10 de março, visando a credibilização das instituições e a formação de um governo menos frágil. Porém, a formação de um governo mais estável e que dê melhores garantias à burguesia está longe de estar garantida, tal é o descrédito das suas instituições. Nem o PS com um novo líder, nem o PSD, sem alternativa ao OE do PS, aparentam poder obter uma maioria absoluta. Em consequência da crise capitalista, da radicalização de setores reacionários da burguesia e pequena-burguesia e da preponderância da corrupção no discurso público, a extrema-direita cresce, tendo obtido 17% em sondagens recentes, sem que seja claro se o PSD se aliará ao Chega para formar governo. No contexto de empobrecimento atual, tanto uma maioria de Direita como uma nova Geringonça liderada por Pedro Nuno Santos ou um governo de bloco central apresentarão debilidades.

Intensificar as lutas

Seja qual for a composição do próximo governo, a disposição para lutar mostrada ao longo de 2023 não deve acalmar. O OE24 do PS vai ser aprovado por um parlamento em vias de dissolução, o que não incomoda a Direita que, apesar de votar contra, apoia a sua política. Este é um Orçamento excedentário, complacente com os lucros estapafúrdios que os bancos e as grandes empresas tiveram em 2022 e 2023, que prioriza o pagamento da dívida e, sobretudo, o não aumento das despesas permanentes, ou seja, o definhamento dos serviços públicos. Um OE que baixa o IRS, o imposto mais progressivo, o que não beneficia 40% das famílias que ganhará menos de 11.480 euros brutos anuais, mas sobe os impostos indiretos regressivos que mais afetam os mais pobres. Que não sobe os salários e pensões acima da inflação, que não resolve os problemas de acesso à habitação, que não investe nos serviços públicos e nas carreiras dos seus profissionais. Sobretudo, é mais um OE de austeridade, que ajuda as grandes empresas a manter lucros recorde e que serve os interesses de quem faz negócio da habitação, da saúde e da educação.

A intensificação da luta laboral e social é a melhor forma de nos prepararmos para pressionar o próximo governo, seja ele qual for. Mas é também a melhor arma para não deixar espaço ao crescimento da extrema-direita. Esta não tem quaisquer soluções para os problemas da classe trabalhadora e da juventude, e só consegue ter espaço para o seu discurso de divisão e repressão quando a luta social, que aponta de facto para reivindicações e soluções, não ocupa o primeiro plano da vida pública. A recente mobilização de estudantes e ativistas climáticos para expulsar o discurso de ódio do Chega da faculdade FCSH em Lisboa mostra que com união e mobilização conseguimos tirar o palco à extrema-direita!

As lutas atuais, contra o OE24, contra os massacres na Palestina, contra a mineração e os projetos que destroem o meio ambiente, dos vários sindicatos e setores económicos, dos profissionais de saúde e educação, por Vida Justa, por Casas para Viver e por justiça climática, devem procurar organizar-se e unir-se. Há cerca de um ano, a luta das escolas, sob proposta do sindicato STOP, mostrou o caminho a seguir com a formação de comités democráticos de greve e a unidade e mobilização de centenas de milhares na rua. Mas queremos ser mais organizados e eficazes! A situação ao longo de 2023 mostra o potencial para unir as lutas através de um plano de greves intersetoriais que defendam os serviços públicos, os salários e casas em boas condições para todos com mais eficácia. 

Por uma alternativa dos trabalhadores

A luta social e laboral é também o terreno de onde deverá surgir uma alternativa política dos trabalhadores, inclusivamente para fazer face às eleições de 10 de março. Há que estar ciente da importância de combater o crescimento da extrema-direita e a possibilidade de um governo e uma maioria parlamentar de direita e extrema-direita, na rua e através do voto na esquerda parlamentar. Mas também do facto de uma nova Geringonça, que procure a paz social e a conciliação entre as classes, como augura Pedro Nuno Santos, não resolver os problemas reais dos trabalhadores nem as contradições e barbáries do capitalismo, e poder mesmo servir para abafar as lutas. 

Todos os que lutam, incluindo BE e PCP, devem aprender com os erros da Geringonça, rejeitar a conciliação de classes, procurar unir-se numa única frente e constituir uma verdadeira alternativa política, em torno de um programa que parta dos interesses, reivindicações e lutas da classe trabalhadora e assuma uma ruptura com a lógica capitalista da necessidade de lucro e com as suas instituições. Esse programa deverá ser o exigível para a eventual viabilização de um futuro governo, mas também, e sobretudo, o mínimo por que não se abdicará de lutar no próximo período, com unidade e organização democrática, seja qual for o governo. Propomos que esse programa reivindique:

  • Cancelamento dos grandes projetos que prejudicam o ambiente.
  • Controlo das rendas e dos preços dos bens essenciais a valores acessíveis! Tabelamento de tetos máximos.
  • Indexação dos salários e pensões acima da inflação, no público e privado. Aumento imediato de todos os salários em 1,5 €/hora.
  • Os salários e pensões mínimos têm de ser suficientes para viver: pelo menos 1000 €/mês já!
  • Taxação progressiva dos lucros e das grandes fortunas para financiar o investimento em serviços públicos gratuitos e na transição justa: Transportes, creches, escolas, cantinas, lares, habitação e cuidados de saúde.
  • Casa, saúde e educação são direitos, não mercadorias! Expropriação dos fundos e agências imobiliárias, dos grandes proprietários e das casas devolutas, bem como das grandes empresas e infraestruturas de saúde e educação.
  • Habitação pública massiva sob o controlo de comissões de moradores e trabalhadores: nacionalização das grandes empresas de construção para reabilitação, manutenção e construção de habitações com qualidade e conforto a rendas acessíveis, que garanta habitação digna para todos.
  • Não controlamos o que não nos pertence: nacionalização dos setores da distribuição e da energia sob controlo democrático: por controlo de preços, energia 100% renovável e acessível.
  • Juro zero para o crédito à primeira habitação. Nacionalização do setor financeiro para controlo dos juros, créditos e fluxos de capitais e para financiar investimentos socialmente necessários.