Novo nome e lançamento do Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária

Por Coletivo Luta pelo Socialismo

O coletivo Luta pelo Socialismo (anteriormente Alternativa Socialista Internacional em Portugal) desfilia-se da Alternativa Socialista Internacional (ASI) e passa a participar na rede internacional Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária. A nossa desfiliação da ASI deve-se sobretudo ao encobrimento por parte de dirigentes da organização de um caso grave de abuso sexual dentro das suas fileiras e à recusa por parte da maioria da direção internacional em aplicar princípios democráticos de revogabilidade dos dirigentes quando estes cometem erros graves. Os camaradas que mantiveram princípios democráticos, feministas socialistas e de salvaguarda fundaram o Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária, cuja declaração de fundação traduzimos abaixo.

Os militantes em Portugal do coletivo Luta pelo Socialismo gostariam de discutir com todos os revolucionários honestos e com princípios feministas socialistas, não só a ação unitária, mas também a necessidade de construção de uma organização enraizada na classe trabalhadora e na juventude, que se prepare na teoria e na prática para numa próxima situação revolucionária poder ajudar a classe trabalhadora a tomar o poder e realizar a transformação socialista da sociedade. A humanidade precisa urgentemente do sucesso da revolução socialista à escala mundial, que permita criar uma sociedade livre e igualitária com planificação democrática da produção e distribuição de riqueza, para servir as necessidades de todos, e permita livrar-nos de toda a miséria e destruição ambiental, de todas as guerras e formas de opressão que o capitalismo engendra.

Convidamos quem queira aprender e discutir sobre lutas feministas, anti-racistas, pró-Palestina, da classe trabalhadora e dos povos oprimidos em todo o mundo a participar na conferência da ROSA Internacional – Movimento Socialista Feminista, que se deverá realizar em Março ou Abril de 2025.

Tradução da declaração de fundação do Projeto:

Reunião de lançamento do Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária

No fim de semana de 31 de agosto e 1 de setembro de 2024, mais de 130 pessoas de 29 países reuniram-se para dar início ao “Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária”. A reunião centrou-se na definição do quadro deste novo projeto, destinado a reconstituir eventualmente uma nova Internacional Marxista.

Este processo tornou-se uma necessidade premente face à falência política e ao rápido colapso que atualmente envolve a Alternativa Socialista Internacional (ASI) – uma crise desencadeada e agravada pelo tratamento vergonhoso da sua atual liderança e pelo encobrimento falhado de um caso grave de abuso sexual dentro das suas fileiras.

Os responsáveis por este desastre não só se recusaram a prestar contas politicamente pelo que fizeram, mas também exerceram o seu controlo sobre o aparelho da ASI para marginalizar, desacreditar e ofuscar todos os que se opuseram a esta má gestão. Os danos imensuráveis causados por esta abordagem corrosiva no seio e à volta das fileiras da ASI são difíceis de exprimir em palavras. Muitos camaradas e sobreviventes foram profundamente afetados, e os danos são muito mais profundos do que alguns gostariam de admitir.

Aos olhos de todos os que estão empenhados no Projeto, esta experiência marcou uma profunda traição política de tudo o que a ASI outrora pretendeu defender, e infligiu danos irreversíveis à capacidade interna e à credibilidade pública desta organização para lutar contra a opressão e a violência de género.

Como Rosa Luxemburgo disse uma vez, “A coisa mais revolucionária que se pode fazer é sempre proclamar bem alto o que está a acontecer”. O que está a acontecer hoje é que, enquanto o mundo grita por uma alternativa socialista revolucionária viável – com o genocídio em Gaza como a manifestação mais horrível da crise global do capitalismo em decadência – a ASI falhou tragicamente em responder a este desafio histórico.

No entanto, longe de se limitar a dar seguimento a este revés e a lançar-se de cabeça, a reunião do Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária foi marcada por um profundo sentido de humildade e realismo. Enquanto nos debates do fim de semana os participantes demonstraram uma sede e um entusiasmo evidentes por este projeto, também reconheceram a necessidade vital de um exame profundo e introspetivo das raízes desta crise, para confrontar e aprender com os fracassos políticos e organizacionais da ASI e do seu antecessor, o Comité por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT).

Só com uma abordagem paciente, sóbria, autocrítica e transparente é que se pode alcançar a clareza política, ela própria uma base indispensável para a construção de uma Internacional genuinamente revolucionária e saudável, capaz de resistir ao teste do tempo.

Construir uma Internacional hoje

A primeira sessão debruçou-se sobre as exigências políticas para construir uma nova Internacional hoje, e a necessidade de enraizar este processo numa interação dialética e viva com as condições atuais, as lutas e a consciência da classe trabalhadora e da juventude.

Para os marxistas, não basta apenas apoiar ou intervir nos movimentos, ou vê-los como campos de recrutamento; devem também participar ativamente neles, construí-los e aprender com eles. Sem esta troca recíproca, não podem desenvolver a sua própria teoria e programa, o que os torna incapazes de contribuir de forma significativa para os próprios movimentos.

Os participantes salientaram os perigos do sectarismo e da fetichização do isolamento, uma armadilha em que a atual liderança da ASI caiu. Inicialmente, a liderança apregoou irrealisticamente que “não há barreiras objetivas ao crescimento”, ignorando os verdadeiros desafios que as organizações revolucionárias enfrentam para expandir a sua influência neste período.

Entretanto, os mesmos dirigentes inverteram o seu rumo, sem dar explicações, proclamando que os marxistas são “peixes em terra”, retirando-se efetivamente para uma postura rígida e defensiva, tal como o que resta do CIT. Esta retirada é marcada por um medo obsessivo da “política identitária” (ou o que eles entendem por isso) e de diluir o carácter revolucionário do partido através de um envolvimento significativo com os movimentos sociais.

No entanto, como os marxistas têm frequentemente observado, os perigos do sectarismo e do oportunismo (i.e., sacrificar princípios fundamentais por ganhos a curto prazo) nunca estão longe um do outro. Têm em comum a tendência para polir os princípios de modo a adaptá-los a uma narrativa mais confortável e menos desafiante, que pode ser facilmente propagada, em vez de se confrontarem com as questões reais e complexas que os revolucionários enfrentam.

Não existe uma receita simples para evitar estas armadilhas, mas são necessários debates contínuos e esforços persistentes para nos mantermos em sintonia com as camadas emergentes e combativas da classe operária e dos oprimidos, especialmente a juventude – um enfoque que costumava ser uma marca do CIT durante o seu auge. No entanto, tanto o atual CIT como a ASI não conseguiram concretizar esta abordagem às exigências do novo período histórico. A eficácia com que este desafio é enfrentado determinará a sobrevivência e o sucesso dos avanços de qualquer internacional revolucionária.

Centralismo democrático

A ênfase foi também colocada na relevância do centralismo democrático para a construção de uma futura Internacional revolucionária – não como uma fórmula rígida para impor sistematicamente a “regra da maioria” face a desacordos, mas como um conceito político dinâmico, vivo e flexível.

A unidade na ação é, de facto, fundamental para qualquer organização que pretenda derrubar o capitalismo global. Mas essa unidade deve emergir o mais organicamente possível, com base no envolvimento e na discussão democráticos, o mais alargados possível, conforme as condições o permitam.

Não pode ser sustentada através da coerção, em que os “votos da maioria” são usados para manter o controlo e servem como substituto de um genuíno debate político na organização. Este método de cima para baixo, típico do modus operandi da atual direção da ASI, não tem qualquer semelhança com as práticas de Lenine e dos Bolcheviques.

É por isso que a pressa em criar novas estruturas centralistas democráticas sem antes ter tempo para discutir e clarificar profundamente as bases políticas da nova Internacional, seria o mesmo que pôr a carroça à frente dos bois. Há um reconhecimento generalizado que será necessário um período de discussão alargada antes de chegarmos a esse ponto. Durante esse tempo, as várias entidades empenhadas no Projeto irão discutir, testar e desenvolver um novo entendimento partilhado.

Esta fase é fundamental para alcançar clareza política e estabelecer a base programática para uma organização coesa e resiliente no futuro – como resultado natural de um processo de discussão e trabalho colaborativo – bem como para expurgar os elementos tóxicos da cultura de construção partidária herdada do nosso passado. Dada a profunda crise, não só da nossa Internacional anterior, mas também da esquerda internacional em geral, a proclamação de uma nova Internacional, pronta a ser construída, sem lançar estas bases, seria prematura, inerentemente frágil e, em última análise, condenada ao fracasso.

A política deve ter sempre precedência, moldando as formas organizacionais necessárias para pôr essa política em ação. Da mesma forma, a degeneração burocrática testemunhada tanto no CIT como na ASI é inseparável dos problemas políticos e ideológicos e dos pontos cegos que têm atormentado estas organizações – questões que o Projeto está determinado a enfrentar de frente.

A importância do feminismo socialista e do trabalho contra a opressão

Neste contexto, a reunião reafirmou o papel central do Feminismo Socialista e da luta contra todas as formas de opressão – incluindo o racismo, a LGBTQIA+-fobia, o capacitismo e o casteísmo – no trabalho da futura Internacional. A crise da ASI no último ano ilustrou claramente a necessidade de aprofundar a nossa compreensão destas questões e o seu significado na construção de uma organização equipada para liderar a luta contra o capitalismo.

Os acontecimentos atuais a nível mundial, nomeadamente os protestos explosivos contra a violação e o femicídio na Índia – que levaram a Associação Médica Indiana a lançar uma greve histórica a nível nacional – reafirmaram o papel fundamental que estas questões desempenham na configuração das lutas e da radicalização de hoje, e as afirmações absurdas feitas pela atual direção da ASI de que as lutas feministas “atingiram o seu auge”.

Uma visão estreita da classe e da luta de classes, que relega as batalhas contra opressões específicas como secundárias ou periféricas, enquanto eleva a luta económica como o “assunto principal”, ainda permeia o pensamento tanto do atual CIT como da ASI. Foi sublinhada a necessidade de romper com esta abordagem errada e prejudicial, de compreender a relação íntima entre exploração e opressão e de travar uma luta incansável para integrar plenamente estas lutas na esquerda e no movimento da classe trabalhadora.

Igualmente importante é uma reavaliação crítica do nosso historial antirracista e anti-imperialista, e do que a construção de uma organização genuinamente internacionalista deve implicar nas condições atuais.

A partilha de experiências de camaradas de secções e grupos de países neocoloniais como o Brasil, o México e a Índia pôs em evidência um padrão de condescendência, centrado no Ocidente, e dirigista, por parte de camaradas dirigentes da ASI baseados em secções de países imperialistas, e uma tendência, que remonta aos anos do CIT, para tratar o trabalho revolucionário nestas partes do mundo como um complemento do trabalho nos países capitalistas avançados. Escusado será dizer que esta abordagem é totalmente prejudicial para o desenvolvimento saudável dos quadros revolucionários.

A incorporação sistemática do rico legado das lutas anti-coloniais e anti-imperialistas, bem como das experiências atuais dos povos oprimidos de todo o mundo, na nossa análise e nos nossos métodos de trabalho, será uma componente crítica da reconstrução de uma Internacional digna desse nome. Esta tarefa é mais urgente do que nunca, num contexto de escalada de conflitos inter-imperialistas, de um fosso crescente entre as nações avançadas do Norte Global e as regiões neocoloniais, de uma nova corrida imperialista aos recursos e de uma vaga de revoltas do Quénia ao Bangladesh.

A melhoria da diversidade da organização e da representação dos grupos demográficos oprimidos nas estruturas de direção, bem como o desenvolvimento de um grupo internacional antirracista, foram também identificados como passos importantes para resolver algumas destas fraquezas.

A nossa futura internacional deve também rejeitar qualquer mentalidade de “secção-mãe”. Embora ansiosos por transmitir a sua experiência, os bolcheviques estavam também perfeitamente conscientes dos riscos que representava o facto de os marxistas russos dominarem a vida da Terceira Internacional e impedirem o crescimento das secções mais recentes e menos experientes. A direção do CIT, apesar de ter começado com uma abordagem internacionalista, acabou por eliminar essas preocupações ao longo do tempo, tornando-se a sua composição e análise política cada vez mais insulares e grotescamente desequilibradas, centradas na secção de Inglaterra e País de Gales.

No entanto, no seio da ASI, em vez de cultivar uma construção mais pluralista, partes importantes da direção internacional viram nos Estados Unidos o novo “modelo” a imitar. Pelo contrário, a nossa futura Internacional deve assentar numa verdadeira cooperação revolucionária internacional – unida por princípios políticos fundamentais, mas abraçando e enriquecendo-se com a diversidade de experiências. Como o falecido marxista irlandês Peter Hadden explicou em “A Luta pelo Socialismo Hoje”, “Na construção de um partido revolucionário não é possível proceder a partir da experiência de apenas um país”.

Estruturas provisórias

No final desta reunião de dois dias, foi eleito um comité coordenador provisório para orientar a próxima fase, juntamente com uma equipa internacional de salvaguarda. Serão criados grupos de trabalho adicionais sobre finanças, media e feminismo socialista para coordenar o trabalho internacional. O processo estará aberto a novas contribuições e relatórios das diferentes entidades, de modo a garantir uma participação alargada. A próxima reunião alargada do Projeto será agendada para novembro.

Embora uma revisão séria seja um elemento central do Projeto e um prelúdio necessário para o lançamento formal de uma nova internacional, não se pretende que este se torne um “clube de discussão” internacional virado para dentro, mas um processo alimentado por intervenções contínuas em lutas reais e pelo início de trabalho prático e campanhas comuns. A este respeito, a conferência internacional da ROSA que realizaremos no próximo ano servirá como uma pedra angular fundamental.

Todos os indivíduos e grupos que subscrevem o Projeto são encorajados a participar ativamente neste processo, para ajudar a reconstruir, ao longo do tempo, a base para uma Internacional Marxista revolucionária saudável e sustentável. Esta reunião marcou o primeiro passo de uma jornada desafiadora, mas esperançosa. As fortes contribuições, particularmente dos camaradas mais jovens, demonstraram o potencial para uma internacional vibrante e orientada para o futuro, firmemente enraizada nos princípios socialistas e na luta contra todas as formas de opressão.

Outros documentos relevantes, em inglês:

Código de Conduta da ASI (desde 2021).

Endereçando a história do feminismo socialista no CIT (Agosto de 2022).

Uma crise na ASI (Abril de 2024).

Uma internacional marxista tem de ser feminista socialista (Julho de 2024).

Porque na Índia nos desfiliamos da ASI (Setembro de 2024).

Declaração da maioria da direção da ASI (Abril de 2024), de que discordamos.