Eleições de 23 de Julho no Estado Espanhol: Derrota para a Direita mas Aviso para a Esquerda

Por Pedro

– Artigo publicado no jornal número 2 (Setembro/Outubro 2023) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –

Depois da vitória da Direita nas eleições autonómicas e municipais de 28 de Maio e da queda retumbante da Esquerda governamental, a maioria das sondagens apontava para uma vitória por maioria absoluta para a Direita nas eleições de 23 de Julho. No entanto, milhões de trabalhadores e jovens ergueram-se contra a possibilidade de um governo da direita e da extrema-direita do PP e do VOX, inflingindo-lhes uma dura derrota eleitoral, da mesma forma que em Portugal foi infligida uma derrota à Direita nas eleições legislativas de 2022. Esse resultado no Estado Espanhol não é um reflexo de um apoio massivo ao governo do PSOE e do SUMAR mas, pelo contrário, reflete uma rejeição dos partidos reacionários e dos seus planos, apesar do fracasso da esquerda em levar a cabo o seu programa (90% das promessas do programa eleitoral PSOE-UP de 2019 não foi cumprido) e da falta de uma postura combativa de apoio às lutas dos últimos anos. 

A participação eleitoral aumentou 4,2% relativamente a 2019 para 70,39%, reflexo de uma situação polarizada e mobilizadora. O PP e o VOX obtiveram respetivamente 33,1% e 12,4% dos votos a nível estatal, à frente de PSOE e SUMAR com 31,7% e 12,3% respetivamente. A Direita espanholista de PP e VOX só não consegue formar governo devido à força do independentismo e à oposição dos partidos independentistas que rejeitam o nacionalismo repressivo dessa Direita e preferem negociar a aprovação de um governo com o PSOE e a esquerda.

A trajetória de Podemos e SUMAR

O Podemos e as personalidades e movimentos a ele associados irromperam na cena política e conquistaram o apoio de parte das massas trabalhadoras a partir de poderosos movimentos de rua como os Indignados, o 15 de Maio ou as Marés, tendo sido inclusivamente levados ao poder em alguns municípios e regiões. O caso mais emblemático é o de Ada Colau, eleita alcaldesa de Barcelona em 2015, impulsionada pelo movimento pela habitação. Uma vez nas instituições, abandonaram as partes do seu programa mais radicais e a ligação às lutas, tendo deixado de representar uma alternativa ao regime de 78 e aos seus partidos.

Em 2019, os deputados da Unidas Podemos (Podemos e Izquierda Unida) formaram uma coligação de governo com o PSOE. Desde então, essas forças de esquerda perderam apoios importantes por não cumprir as promessas de 2019, não apoiarem as lutas e agirem enquanto partidos do sistema capitalista e do regime de 78.

A estrondosa derrota de Colau a 28 de Maio marca um fracasso da estratégia reformista e institucionalista do Podemos, revelando que as massas não concordam que o seu governo local ou a coligação de governo estatal tenham marcado uma diferença real nas suas vidas, ou muito menos que os tenham protegido dos efeitos nefastos das crises capitalistas.

O SUMAR, dirigido por Yolanda Díaz do partido comunista, surge como uma nova coligação de esquerda integrando 20 partidos, por um lado como veículo para prosseguir as carreiras parlamentares dos deputados da UP, por outro como projeto de apoio acrítico ao PSOE e de enterro definitivo da ligação do Podemos às grandes lutas da década passada. Yolanda Díaz purgou das listas eleitorais o que restava dos deputados combativos do Podemos, incluindo a ministra Irene Montero, a que mais se bateu pelos direitos das mulheres e LGBTQI+ e mais sofreu ataques da Direita pela sua postura. A sua exclusão provocou desmoralização entre muitos lutadores de esquerda.

Assim se compreende que o SUMAR não tenha suscitado o interesse e a confiança das massas e não surja nas eleições de 23 de Julho como uma alternativa de esquerda à atual governação.

Rejeição da Direita

No entanto, PSOE e SUMAR receberam votos nos últimos dias de campanha devido ao medo de ver a ultradireita no poder.

As experiências recentes de governos municipais e regionais de coligações destes partidos são esclarecedoras quanto à sua agenda franquista. Proibiram manifestações em apoio e em memória a mulheres assassinadas por homens, tentam substituir o termo “violência de género” por “violência intrafamiliar” para negar a existência de violência contra as mulheres, propõem proibir bandeiras LGBTQI+ em edifícios municipais e aulas sobre igualdade de género nas escolas. Para além disso, PP e VOX querem limitar a autonomia regional do País Basco e da Catalunha e restringir o ensino das línguas minoritárias no estado espanhol. O VOX declarou mesmo querer proibir os partidos independentistas e tem vindo a convencer o PP, que pretende relacionar os independentistas com a ETA.

A força do movimento feminista, expressa nas mobilizações do 8 de março, contra a Manada ou no caso Rubiales, bem como a do movimento independentista, têm representado duros golpes contra a classe dominante e as suas instituições, tendo-se tornado por isso alvos a abater pela extrema-direita.

A rejeição da coligação PP-VOX endureceu a oposição a esses partidos na Catalunha e no País Basco. No País Basco, o PSOE foi o partido com mais votos e o partido nacionalista de esquerda EHBildu substituiu o partido nacionalista burguês PNV como principal força independentista. Na Catalunha, o PSOE também foi o mais votado, seguido pelo SUMAR e pelos partidos independentistas ERC e Junts. 

Quem formará governo?

Nem PP-VOX nem PSOE-SUMAR podem formar governo sozinhos. No entanto, é possível que Sánchez consiga formar uma coligação PSOE-SUMAR com o apoio dos vários partidos independentistas da Catalunha e do País Basco.

Um governo da Direita é possível num futuro próximo. Seria um sério revés mas não uma derrota fundamental para a classe trabalhadora. Poderia haver um choque inicial, mas também uma forte oposição à concretização das ameaças da extrema-direita.

Já o provável próximo governo PSOE-SUMAR, dada a viragem à direita do SUMAR e a necessidade de agradar a partidos burgueses como PNV e Junts, promete ter políticas à direita do anterior governo PSOE-UP e com isso ajudar a extrema-direita a ganhar força.

A situação pede desesperadamente por um partido que se constitua como alternativa da classe trabalhadora e da juventude, com um programa de rutura com o capitalismo e as suas instituições e que se baseie nas lutas das massas e não nos acordos parlamentares.

Não esqueçamos as grandes lutas da década passada e que os direitos das mulheres e LGBTQI+ conquistados recentemente foram ganhos pelo magnífico movimento feminista dos últimos anos nas ruas. Independentemente da constituição do próximo governo, movimentos semelhantes ou superiores podem ocorrer no futuro próximo. Os socialistas devem estar preparados para isso.