– Artigo publicado como Editorial do jornal número 2 (Setembro/Outubro 2023) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –
A pobreza e desigualdades rampantes e a resposta do governo do PS
Enfrentamos uma terrível crise da habitação, há uma desesperante falta de oferta a preços acessíveis à classe trabalhadora e quem paga rendas e empréstimos tem sofrido aumentos brutais. Num país em que apenas 2% da habitação é pública, a população está condenada a submeter-se às vontades dos proprietários e à loucura especulativa do mercado, que aumentou o preço médio das casas em 38% entre 2019 e 2022. No arrendamento, a situação só piora: o valor médio mensal das rendas em Portugal aumentou 42,1% entre 2011 e 2022, e na Área Metropolitana de Lisboa e concelhos da periferia de Lisboa e Porto o aumento ultrapassou os 50% só nos últimos 5 anos. A renda média de um estúdio em Lisboa já ultrapassa os 900€, e a de um quarto os 450€. Os despejos continuam, a classe trabalhadora é expulsa dos centros urbanos, os casos de habitação precária acumulam-se e a miséria cresce. Tudo isso para que os especuladores, os fundos imobiliários, as agências imobiliárias, os bancos e os capitalistas da hotelaria e do turismo aumentem os seus lucros. Em 2024, já se prevê uma subida de pelo menos 6,9%.
A juntar-se a este desespero esteve uma taxa de inflação média anual de 7,8% em 2022, atingindo números superiores a 20% em vários produtos alimentares e energéticos, que este ano persiste, regredindo lentamente, e que resultou em 2022 numa perda de salário real de 5,2%, atingindo os 7,2% no setor público no final do ano. Enquanto as contas nos custam a pagar, os lucros dos supermercados, dos bancos, das empresas de energia e das agências imobiliárias e dos especuladores batem recordes! Neste sistema em que tudo é mercadoria e a economia é movida pelo mercado, a classe trabalhadora só antevê uma descida constante em direção à pobreza e à miséria.
Face à crise do custo de vida, o Governo do PS recusa-se a atualizar os salários e pensões acima da taxa de inflação e a colocar tetos máximos nas rendas, nas taxas de juro e nos preços da energia e dos bens essenciais. O desinvestimento nos serviços públicos e consequente degradação tem permitido abrir mercado ao capital privado – os serviços de saúde pública e de transportes não têm profissionais ou recursos para funcionar devidamente e existe uma tremenda falta de professores e de condições nas escolas. Mas para indemnizações a administradores, para a Igreja e para armas há dinheiro! As despesas militares representam mais de 1,5% do PIB, e António Costa quer responder ao apelo da NATO de subir esse valor para os 2%. De fato, as despesas militares foram a única rubrica com um aumento importante no Orçamento do Estado para 2023, e o mesmo se pode prever para 2024. Entretanto, o Governo tenta entreter-nos com migalhas e medidas ineficazes como as novas medidas para os jovens e o pacote “Mais habitação”. As suas propostas não controlam rendas nem juros de crédito à habitação nem a hotelaria e o turismo. Pelo contrário, o Governo propõe facilitar licenciamentos e dar benefícios fiscais e subsídios aos fundos, aos senhorios e aos bancos. O Governo propõe usar recursos públicos para subsidiar a especulação imobiliária. Assim, mostra continuar a defender os interesses dos capitalistas e a sua necessidade de lucros.
A Era da Desordem e a crise capitalista
Estes são reflexos das dinâmicas do sistema capitalista num país membro da UE e da NATO. O capitalismo mundial encontra-se numa crise estrutural que se reflete numa nova era da desordem, uma era caracterizada pelo crescente conflito interimperialista, pela catástrofe climática, por estagnação económica e alta inflação, mas também pelo aumento da militância dos trabalhadores e por crises revolucionárias e contra-revoluções. Denota-se sobretudo uma intensificação do militarismo – em 2022 registou-se um máximo recorde de 2,24 biliões de dólares em gastos militares globais, valor que aumenta à medida que os países entram na corrida ao armamento.
As pressões inflacionistas que alimentam a crise do custo de vida que vivemos hoje – a desglobalização, o protecionismo, a guerra, as perturbações nas cadeias de abastecimento globais, as condições meteorológicas extremas e a especulação empresarial – acumulam miséria sobre a classe trabalhadora e os pobres, sobretudo no mundo neocolonial. Face a esta conjuntura, os bancos centrais aumentam as taxas de juro na esperança de domar a inflação e de fazer a classe trabalhadora pagar por ela. O fim dos créditos sem juros ou a juros baixos deixa os países e as empresas endividados, incapazes de pagar as suas dívidas e em maior risco de incumprimento e falência, o que poderá aumentar o desemprego e baixar o custo da força de trabalho. As consequências de outra recessão mundial serão multiplicadas pela falta de uma estratégia económica partilhada entre classes capitalistas rivais, e a China, atolada em crises de dívida externa e interna, não conseguirá salvar o capitalismo mundial como fez na sequência da crise económica de 2007/08.
A combatividade da classe trabalhadora intensifica-se
Face às deteriorantes condições de vida e de trabalho e ao desprezo do Estado, a indignação e a revolta crescem e a classe trabalhadora ergue-se em luta. 2023 tem visto o surgimento e intensificação de lutas importantes e pode vir a ser o ano com mais greves desde 2013, ano de intensa austeridade da troika – nos primeiros seis meses foram comunicados 9244 pré-avisos de greve ao Ministério do Trabalho, um aumento de 46% face ao mesmo período de 2022. No setor público tem havido importantíssimas greves entre trabalhadores da educação, da saúde, dos transportes e funcionários judiciais. Mas também nas empresas os trabalhadores têm lutado: EVA/Barraqueiro, Cristiano, EDP, Accenture, NOBRE, são alguns exemplos de lutas recentes.
Para além disso, ao longo do ano, as massas têm mostrado a combatividade através de impressionantes manifestações: em defesa da escola pública, com mais de 100 mil pessoas; no 25 de abril, com número semelhantes e nas manifestações por Casa para Viver, as maiores manifestações pela habitação das últimas décadas em Portugal, que levaram dezenas de milhares às ruas em sete das maiores cidades portuguesas no passado dia 1 de Abril e com nova data marcada para 30 de Setembro, em conjunto com o movimento Their Time to Pay, numa manifestação pela habitação e por justiça climática, contra a precariedade e o aumento do custo de vida.
Agora é o momento de nos unirmos e organizarmos!
Para conseguir verdadeiras melhorias, os trabalhadores só podem contar com as suas próprias forças: temos de nos organizar e lutar para ganhar num grande movimento dos trabalhadores e de todos os oprimidos contra o capitalismo e por uma alternativa política! A luta das escolas, sob proposta do sindicato STOP, mostrou o caminho a seguir com a formação de comités democráticos de greve e a unidade e mobilização de centenas de milhares na rua. Mas queremos ser mais organizados e eficazes! Nas escolas, devemos reorganizar a greve, quebrando divisões sindicais, com mobilização de delegados sindicais e com assembleias que tentem chegar a mais trabalhadores e mais escolas, para conseguir construir um plano de greves mais eficaz do que no ano anterior. Para lutar pelo direito à habitação digna para todos, é importante envolver o movimento organizado dos trabalhadores, que tem maior força para lutar e ganhar. Na saúde, devemos unir os trabalhadores do setor, independentemente do sindicato e da profissão, e organizar as greves em conjunto. A situação mostra o potencial para unir as lutas atuais através de um plano de greves intersetoriais que defendam os serviços públicos, os salários e casas em boas condições para todos com mais eficácia. Para o conseguir, é fundamental:
- Organizar assembleias inclusivas em cada bairro e em cada local de trabalho para discutir o programa e os métodos para avançar a luta contra os ataques aos trabalhadores e pela melhoria das condições de vida.
- Constituir comités de greve para mobilizar todos os trabalhadores e unir as várias lutas e greves dos últimos meses!
- Planear o crescimento da luta através de greves intersetoriais culminando numa grande greve geral dos setores público e privado!
- Necessitamos duma alternativa política da classe trabalhadora, que una os movimentos sociais e dos bairros e as organizações de esquerda com um projeto de ruptura com o capitalismo.
Contudo, também precisamos de nos armar com um programa que defenda os interesses da classe trabalhadora! Propomos:
- Controlo dos preços dos bens essenciais e das rendas a valores acessíveis! Tabelamento de tetos máximos.
- Indexação dos salários e pensões acima da inflação, no público e privado. Aumento imediato de todos os salários em 1 €/hora.
- Os salários e pensões mínimos têm de ser suficientes para viver: pelo menos 1000 €/mês já!
- Taxação progressiva dos lucros e das grandes fortunas para financiar o investimento em serviços públicos gratuitos: Transportes, creches, escolas, cantinas, lares, habitação e cuidados de saúde.
- Casa, saúde e educação são direitos, não mercadorias! Expropriação dos fundos e agências imobiliárias, dos grandes proprietários e das casas devolutas, bem como das grandes empresas e infraestruturas de saúde e educação.
- Habitação pública massiva sob o controlo de comissões de moradores e trabalhadores: nacionalização das grandes empresas de construção para reabilitação, manutenção e construção de habitações com qualidade e conforto a rendas acessíveis, que garanta habitação digna para todos.
- Não controlamos o que não nos pertence: nacionalização dos setores da distribuição e da energia sob controlo democrático: por controlo de preços, energia 100% renovável e acessível.
- Juro zero para o crédito à primeira habitação. Nacionalização do setor financeiro para controlo dos juros, créditos e fluxos de capitais e para financiar investimentos socialmente necessários.
- Planificação democrática dos espaços públicos e da economia para aproximar comunidades, serviços, transportes, espaços verdes, cultura, empregos e casas.