– Artigo publicado no jornal número 6 (Setembro/Outubro 2024) do coletivo Luta pelo Socialismo –
O Ressurgimento do Fascismo em Portugal
O crescimento acentuado da extrema-direita parlamentar, representada pelo Chega, principalmente nos últimos 2 anos, levou à normalização do discurso de ódio e consequentemente à aceitação no espaço público de grupos extremistas racistas, anti-LGBTQIA+ e anti-feministas, que têm cometido diversas agressões contra ativistas e minorias.
Entre estes grupos, o Grupo 1143 é o que mais se destaca, tanto na comunicação social como no número de seguidores nas redes sociais. Foi criado entre o fim de 2001 e o início de 2002, como uma fração da claque de futebol Juventude Leonina, por jovens pertencentes a grupos criminosos do movimento skinhead português. O nome é uma referência nacionalista ao Tratado de Zamora, marco importante na fundação de Portugal, assinado a 5 de Outubro de 1143. Já os símbolos do Grupo 1143 sempre estiveram de acordo com a sua ideologia neonazi, destacando-se a caveira totenkopf das SS de Hitler, a suástica e a cruz céltica. Desde a sua formação, ficaram conhecidos por ataques racistas violentos, mesmo contra adeptos do seu próprio clube. Tendo sido expulsos da Juve Leo em 2003, o grupo tentou tornar-se um movimento político, promovendo encontros neonazis, eventos contra minorias étnicas e participando em diversas organizações criminosas e partidos políticos com a mesma ideologia, tais como o PNR, a Frente Nacional e os Portugal Hammerskins. Em 2007, no âmbito de uma operação da Polícia Judiciária, com cerca de 60 buscas em várias zonas de Portugal, cerca de 30 elementos, entre os quais Mário Machado, o neonazi português mais conhecido e líder do grupo, foram detidos por posse ilegal de armas. Posteriormente, foram pronunciados culpados por este crime, por discriminação racial, sequestros e agressões, o que levou à desintegração do grupo. No entanto, este apenas ficou adormecido por alguns anos, tendo sido reatado com a saída de Mário Machado da prisão, em 2017. A banalização do discurso de ódio e da extrema-direita por toda a Europa, deram uma nova vida ao grupo. Este conta presentemente com 10 mil seguidores no Twitter na sua conta principal, 30 mil na conta pessoal de Mário Machado, “Racismo Contra Europeus”, milhares de visualizações no canal de Youtube, suspenso em Agosto, e milhares de seguidores no Tik Tok e Telegram. Através das redes sociais e tendo como intermediários vários “influencers” que partilham conteúdo explicitamente racista, novos elementos são recrutados e, em apenas alguns meses, mais de 20 núcleos foram formados de Norte a Sul do país.
Como seria de esperar, vários militantes do Chega são membros do 1143, que conta também com elementos das forças policiais e militares, o que levou o Ministério da Administração Interna a ordenar um inquérito para apurar eventuais responsabilidades disciplinares. Os vários problemas com a justiça no passado, ensinaram Mário Machado a construir um movimento superficialmente pacífico. Assim, faz apelos regulares a que os seus elementos não cometam crimes durante as ações do grupo. No entanto, os membros mais proeminentes são os mesmos criminosos do passado e as manifestações ditas “pacíficas” têm uma estética militar e agressiva, recorrendo ao uso de tochas e palavras de ordem racistas. Além disso, nos últimos meses, elementos do 1143 são suspeitos de cometer vários atos de vandalismo e agressões cujo alvo são minorias étnicas e ativistas de esquerda.
A importância da organização dos trabalhadores contra a extrema-direita
Ao longo deste ano, comprovando o aumento da força e organização do grupo, foram promovidos vários encontros nacionais e regionais e duas marchas. Na primeira, que ocorreu a 3 de Fevereiro em Lisboa, com o mote “contra a islamização da Europa”, e foi inicialmente proibida pela Câmara de Lisboa, os neonazis foram “protegidos” pela polícia de protestos pacíficos e espontâneos de transeuntes e de alguns antifascistas, que foram violentamente agredidos pelas forças de segurança. A convergência de interesses da polícia com os fascistas não é de modo algum surpreendente. Entre os seus elementos, o apoio à extrema-direita parlamentar é generalizado e as forças policiais, sendo agentes do sistema capitalista, têm o trabalho de defender os sistemas de opressão vigentes e reprimir quem mostra oposição.
A segunda marcha ocorreu no Porto, no dia 6 de Abril, e a organização de uma contramanifestação antifascista impediu a polícia de reprimir violentamente os opositores ao neonazismo. No final do protesto, em frente à Câmara Municipal, os neonazis, em número muito inferior ao dos antifascistas, foram escoltados pela polícia até às suas carrinhas, enquanto eram fortemente vaiados pela população, que prontamente ocupou o lugar onde estes tinham estado, celebrando a vitória ao som de “Grândola vila morena”.
O contraste entre o desenlace destas duas manifestações é a prova da importância da organização dos trabalhadores contra a extrema-direita!
A 10 de Junho, o Grupo 1143 organizou uma concentração em frente ao Padrão dos Descobrimentos, com o pretexto de comemorar o Dia de Portugal. Recuando a 10 de Junho de 1995, criminosos deste grupo, entre os quais Mário Machado, espancaram brutalmente 10 afrodescendentes, o que resultou na morte de um dos agredidos, Alcino Monteiro. Não devemos ter dúvidas de que este é o nível de violência que a extrema-direita almeja e com que irá atuar, assim que for normalizada por uma parte suficientemente grande da população.
O movimento antifascista respondeu com uma contramanifestação, para o mesmo local e hora, com o mote “Não Passarão”, e, por isso, um forte destacamento policial foi acionado. Como seria expectável, a ação das forças policiais não tinha o propósito de garantir a segurança dos contramanifestantes. Quando um neonazi atacou um antifascista, provocando confrontos entre os dois grupos, a polícia decidiu agredir violentamente com bastonadas os contramanifestantes. No final, os neonazis saíram impunes e o grupo antifascista ficou cercado pelas forças de segurança, com várias pessoas magoadas e com necessidade de socorro médico.
Para as próximas duas semanas, estão planeadas duas manifestações com cariz xenófobo, mas também duas contramanifestações antifascistas. A primeira, a ocorrer no dia 29 de Setembro em Lisboa, foi convocada pelo Chega com o tema “Não à insegurança, não à imigração descontrolada” e divulgada com cartazes que aludem à suposta violência dos imigrantes. Pretendendo passar uma imagem de força e mostrar que as suas ideias xenófobas têm forte apoio entre a população portuguesa, os dirigentes locais do partido foram instados a mobilizar o maior número possível de manifestantes e fontes oficiais da direção do Chega admitem que haverá consequências políticas para quem ficar aquém das expectativas.
Demonstrando a relação de proximidade entre a extrema-direita parlamentar e grupos criminosos neonazis, o Grupo 1143 fez um apelo à participação dos seus elementos nesta manifestação. A segunda manifestação xenófoba, que irá ocorrer em Guimarães, no dia 5 de Outubro, foi planeada pelo Grupo 1143 e tem sido promovida, incessantemente, nas redes sociais. Tem como mote “Reconquistar Portugal” e, nos vários vídeos de divulgação, membros do Grupo 1143 aparecem vestidos num estilo militar com cara tapada por balaclavas, enquanto seguram escudos e very-lights, numa referência às intenções violentas do grupo.
O sistema capitalista, que detém o estado, as forças de segurança e o sistema judicial, não está do lado dos trabalhadores e vê na extrema-direita um instrumento útil para nos perseguir e dividir. A tática da extrema-direita para aceder ao poder é desde sempre disseminar o ódio a uma população oprimida, os “outros”, acusando-a de ser a causadora da crise do capitalismo. Em tempos de crise económica, quando as condições de vida conquistadas se deterioram e a miséria se alastra, e, principalmente, quando a pequena-burguesia sente a sua condição piorar relativamente a outras camadas, a extrema-direita cresce, atraindo pessoas com um forte ressentimento contra o “sistema” e poucos escrúpulos.
A classe capitalista, causadora da crise, para desviar a atenção da população de si, utiliza essa opressão em seu benefício e apoia estes movimentos. Numa situação de crise extrema, esforça-se para aniquilar a vanguarda revolucionária entre os trabalhadores e adiar a sua própria queda. Com a crise económica atual em Portugal – queda do poder de compra das famílias, crise na Habitação e degradação dos serviços públicos -, este ciclo ameaça repetir-se e um dos indícios é o ressurgimento da força da extrema-direita. Os vários exemplos da luta contra a extrema-direita que tivemos ao longo deste ano e o conhecimento histórico deste ciclo de violência contra os trabalhadores ensinam-nos que, se queremos vencer, temos de estar presentes e unidos nesta luta. Assim, mostramos que somos mais e mais fortes a rejeitar o ódio e a opressão e conseguimos que o fascismo não se normalize e, pelo contrário, hesite em mostrar-se.
Apelamos a que os movimentos dos trabalhadores se juntem aos antifascistas e às populações oprimidas para mostrarmos a nossa força!
Por fim, é fundamental constatar que por mais derrotas que possamos desferir à extrema-direita, e é muito importante que o façamos, apenas é possível impedir o seu surgimento e crescimento, garantindo casa e emprego com direitos para todos, autóctones e imigrantes, o que só é possível com a planificação democrática da economia e o fim do capitalismo.