A “Geração Z” do Nepal levanta-se: Primeiro-Ministro demite-se após repressão mortal

Por Serge Jordan, PIMR na Índia

– Artigo publicado originalmente em inglês pelo Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária a 9 de Setembro de 2025 –

Mal tinham passado duas semanas desde que a Indonésia explodira em protestos de massas, e já é agora a vez do Nepal enfrentar a fúria da sua juventude.

Na segunda-feira, 9 de setembro, Katmandu e outras grandes cidades —incluindo Pokhara, Butwal, Bharatpur, Itahari, Biratnagar, Janakpur, Hetauda e Nepalgunj— foram varridas por uma vaga de manifestações, convocadas por grupos que se identificam como “Geração Z”, após o governo liderado por KP Sharma Oli ter imposto de um dia para o outro a proibição de 26 plataformas de redes sociais.

Justificada em nome do combate às notícias falsas e ao discurso de ódio, e com o argumento de que estas plataformas não cumpriam os novos regulamentos governamentais, a proibição coroou meses de esforços para impor restrições às redes sociais que equivalem a sérios ataques à liberdade de expressão dos seus milhões de utilizadores. Estas iniciativas incluíram a tentativa de aprovação de uma “lei das redes sociais” que previa multas e penas de prisão para conteúdos considerados “contra o interesse nacional”. Porém, ao cortar a expressão online, o regime apenas empurrou as pessoas para as ruas: impedidos de manifestar as suas opiniões nas redes, muitos nepaleses trouxeram-nas a público.

Claro está que gigantes tecnológicos como a Meta, a Google ou a X não são amigos da democracia. São monopólios corporativos que lucram com a extração de dados, algoritmos viciantes e vigilância, e não hesitam em negociar com governos autoritários sempre que isso serve os seus interesses. A questão aqui não é defender estas empresas, mas sim defender o direito democrático à livre expressão e comunicação contra a censura governamental imposta de cima e contra leis da mordaça. Já no domingo, jornalistas tinham marchado por Katmandu empunhando cartazes onde se lia: “A liberdade de expressão é o nosso direito”, “A voz do povo não pode ser silenciada” e “A democracia está a ser pirateada, a ditadura está a voltar”.

Uma crise muito mais profunda do que o bloqueio às redes sociais

Embora a decisão do governo tenha sido a gota de água, a raiva vem de muito mais longe. Tal como na Indonésia, o contraste grotesco entre o estilo de vida opulento dos políticos e a pobreza esmagadora da população comum alimentou a indignação de massas. Nos dias e semanas que antecederam os protestos, uma campanha viral intitulada “Nepo Kid” pôs em evidência os filhos de políticos e figuras influentes, acusando-os de usufruírem de luxos —educação no estrangeiro, carros de luxo, férias dispendiosas— enquanto o resto do país se afunda em dificuldades. Restringir o acesso às redes sociais foi também uma forma de o governo tentar esconder a sua própria podridão.

Muitos cartazes e palavras de ordem improvisados pelos manifestantes apontavam para uma frustração geral que vai do nepotismo da elite dirigente e da corrupção generalizada à falta de perspetivas económicas para as novas gerações. A forte dependência do Nepal das remessas —que representam quase um terço do PIB do país— é a expressão gritante desta crise. Milhões de jovens nepaleses são obrigados a procurar trabalho no estrangeiro, frequentemente em condições de exploração extrema, porque governos sucessivos falharam na criação de empregos no país. Neste contexto, as aplicações de redes sociais são muito mais do que entretenimento; são um meio vital para famílias dispersas por diferentes países, ajudando-as a suportar as longas separações provocadas pela migração em massa.

Sem dúvida, as recentes revoltas noutras partes do Sul da Ásia desempenharam um papel inspirador. Como alertava o editorial do Kathmandu Post: “O governo seria tolo se subestimasse a juventude. Movimentos espontâneos liderados pela juventude já derrubaram regimes entrincheirados, até mesmo na nossa vizinhança, mais recentemente no Bangladesh.” Não é de estranhar, portanto, que alguma comunicação social pró-BJP na Índia se tenha apressado a descredibilizar os protestos. O propagandista de direita Arnab Goswami bradou no Republic World contra o “material anárquico e perigoso” do Nepal, inventando teorias da conspiração delirantes sobre os manifestantes nepaleses estarem a conspirar com empresas tecnológicas estrangeiras e com o “deep state” dos EUA, e alertando os indianos para o risco de fenómenos semelhantes no seu próprio país. Essa paranoia diz menos sobre o Nepal do que sobre o medo que grassa entre as elites capitalistas de toda a região de que as suas próprias juventudes e classes trabalhadoras sigam o mesmo caminho.

Repressão mortal e a demissão de Oli

Liderados por jovens e estudantes —muitos ainda com os uniformes da escola e da universidade— os protestos de segunda-feira espalharam-se rapidamente a partir de New Baneshwar, na capital. Aí, os manifestantes romperam as barreiras junto ao edifício do Parlamento, apenas para se depararem com uma repressão sangrenta. A polícia respondeu com gás lacrimogéneo, canhões de água, cargas de bastão —e depois munições reais, na sequência de uma ordem de “atirar para matar”. “A polícia tem estado a disparar indiscriminadamente”, disse um manifestante à agência ANI. Pelo menos 19 pessoas foram mortas nesta chacina, com hospitais por todo o país a abarrotar de feridos.

A brutalidade, no entanto, apenas acelerou o colapso político do governo de Oli. A sua tentativa de criar um “comité de inquérito” para investigar os próprios crimes não enganou ninguém. Um manifestante entrevistado pela Al Jazeera na terça-feira afirmou: “Ontem mataram tantos jovens que tinham tanto pela frente; agora podem facilmente matar-nos a todos. Protestamos até este governo cair.”

Na noite de segunda-feira, a proibição das redes sociais já tinha sido revogada e o ministro do Interior, Ramesh Lekhak, do Congresso Nepalês, apresentou a sua demissão. Estas fissuras deram nova confiança à juventude para regressar às ruas no dia seguinte. Na manhã de terça-feira, seguiu-se a demissão do ministro da Agricultura, Ramnath Adhikari. À tarde, o ministro da Educação, Gyanendra Bahadur Karki, tornou-se o terceiro ministro do Congresso Nepalês a abandonar o cargo. Horas mais tarde, perante um gabinete em colapso e protestos renovados, o próprio primeiro-ministro KP Sharma Oli anunciou a sua demissão. Viram-se manifestantes a celebrar enquanto a sua residência privada em Bhaktapur ardia (tal como as casas de vários outros políticos de destaque, as sedes de partidos e alguns edifícios governamentais).

Esta é uma vitória arrancada pela coragem da juventude nepalesa —mas conquistada a um preço sangrento. O recurso quase imediato do Estado à repressão letal, a imposição de recolheres obrigatórios que foram abertamente desafiados, a rapidez do recuo governamental e agora os apelos desesperados de altos responsáveis para que os manifestantes mostrem “contenção”: tudo isto deixou a nu o pavor da classe dominante perante esta revolta e a tempestade que desencadeou.

O facto de os manifestantes terem invadido novamente o Parlamento na terça-feira —o mesmo local do banho de sangue do dia anterior— e de terem incendiado o edifício é uma poderosa declaração de que o medo mudou de lado. O que era suposto ser o santuário da elite dirigente transformou-se em símbolo da sua fraqueza, engolido pela fúria de uma geração que se recusa a ser silenciada. Longe de se deixarem intimidar pela repressão, os jovens intensificaram a sua resistência, mostrando que as mortes não esmagaram o movimento, mas antes reforçaram a sua determinação.

Mesmo as tentativas da oposição de cavalgar a vaga soaram ocas. Na segunda-feira, o antigo dirigente maoísta Pushpa Kamal Dahal (também conhecido como “Prachanda”) juntou publicamente a sua voz em apoio à juventude. No entanto, a sua casa não foi poupada à ira popular. O simbolismo é claro. Hoje, os maoístas tornaram-se parte integrante do problema, não uma alternativa credível. Tendo outrora prometido mudança radical e revolução, a liderança maoísta há muito se integrou no establishment, reproduzindo grande parte da política corrupta, burocratizada e elitista que afirmava querer destruir.

Apesar da retórica, nem os maoístas na oposição, nem o “Partido Comunista do Nepal (Marxista–Leninista Unificado)” —o próprio partido de Oli, que dominava a coligação governamental— têm hoje algo em comum com o marxismo genuíno. Ambos servem para gerir o capitalismo em crise, não para o desafiar. É precisamente por isso que tantos jovens nepaleses, nascidos e criados à sombra destas traições, procuram novas formas de resistência para além dos velhos partidos.

O caminho em frente

O que já é chamado de “revolução da Geração Z” no Nepal é mais do que uma explosão momentânea. Marca o despertar político das massas nepalesas. Esta insurreição também sublinha o carácter internacional das rebeliões atuais. De Daca a Jacarta, e agora Katmandu, emerge um padrão comum: desilusão total com elites falidas e as suas instituições, anseio por dignidade e oportunidade, e a determinação de uma nova geração em lutar por ambas.

A luta no Nepal não terminou. Milhares permanecem nas ruas, denunciando a corrupção, exigindo justiça para os massacrados pelo Estado e uma transformação radical do sistema.

A questão que desencadeou esta revolta levanta também problemas mais amplos. Embora os protestos tenham resultado no levantamento da proibição das redes sociais, a luta pela liberdade de expressão não pode traduzir-se em entregar um cheque em branco a gigantes corporativos famintos de lucros. Para defender uma verdadeira liberdade de informação e comunicação, é necessário resistir tanto aos métodos autoritários do Estado como ao poder antidemocrático dos monopólios tecnológicos —exigindo propriedade pública, controlo democrático e gestão coletiva dos espaços digitais de que milhões dependem.

O povo do Nepal já mostrou que pode arrancar concessões aos governos —e até derrubá-los. A verdadeira questão agora é se esta energia pode ser forjada numa força duradoura capaz de transformar a sociedade nepalesa pela raiz. Isso significa garantir empregos bem pagos e vidas seguras no próprio país em vez de um exílio em massa; romper com a corrupção institucional e todos os privilégios da elite; libertar o país da dependência das remessas e do capital estrangeiro; erradicar a opressão de casta, género e etnia; abolir o latifúndio e assegurar “a terra para quem a trabalha” através de uma redistribuição radical da terra; e estabelecer uma verdadeira democracia, onde a maioria que produz a riqueza da sociedade possa também decidir como ela é utilizada.

O historial da última década e meia fala por si: o Nepal teve catorze governos em dezasseis anos, cada um colapsando sob o peso das suas próprias contradições. Este carrossel de instabilidade sublinha uma verdade com clareza cristalina —nenhuma fação da atual classe dominante é capaz de oferecer uma saída. Apenas um governo revolucionário, enraizado na auto-organização democrática de trabalhadores, jovens, camponeses pobres e comunidades oprimidas, pode constituir uma alternativa duradoura.

A classe trabalhadora nepalesa pode não ser muito numerosa nem estar concentrada em grandes unidades industriais, mas ainda assim sustenta a economia do país através de incontáveis formas de trabalho —nos transportes, na logística, nos serviços públicos, na pequena indústria, no turismo, na construção, na hidroeletricidade, na agricultura e, claro, no trabalho dos migrantes no estrangeiro. A greve de professores de 29 dias em abril de 2025 —que conquistou ampla solidariedade e forçou concessões importantes— foi um lembrete vivo de que esta força de trabalho possui um poder latente que, se unificado, pode transformar-se numa alavanca política decisiva para a mudança.

Hoje, os protestos derrubaram um primeiro-ministro. Amanhã, organizados, unidos e em ligação com os seus irmãos e irmãs de luta em todo o Sul da Ásia e com o vasto exército de trabalhadores migrantes da diáspora, as massas no Nepal poderão lutar por muito mais: o derrube de uma ordem capitalista que sobrevive do seu silêncio, exploração e sacrifício —e a construção de um Nepal democrático e genuinamente socialista, enraizado no poder dos trabalhadores, da juventude, das mulheres e de todos os oprimidos.