– Artigo publicado originalmente em inglês pelo Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária a 6 de Fevereiro de 2025 –
Nas próximas semanas, o PIMR (Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária) publicará uma série de artigos sobre a história do movimento revolucionário após a vitória da Revolução Russa, abrangendo a formação da Quarta Internacional e a sua degeneração após a Segunda Guerra Mundial, até à nossa história recente.
Parte 1: Origens da Oposição de Esquerda
Do ponto de vista da classe operária internacional, a revolução russa, que começou com o derrube do czarismo em fevereiro de 1917 e que conduziu, em outubro de 1917, à revolução socialista, quando a classe operária liderada pelos bolcheviques chegou ao poder, foi um dos maiores acontecimentos da história.
No novo Estado soviético, os bolcheviques introduziram toda uma série de medidas socialistas radicais. Depois de se retirar da Primeira Guerra Mundial, a Rússia recusou-se a reconhecer os acordos secretos anteriormente celebrados entre as potências imperialistas, concedeu terras aos camponeses, introduziu o controlo operário, o direito de voto para todos os cidadãos – homens, mulheres e jovens -, a igualdade de direitos para as mulheres, descriminalizou as relações entre pessoas do mesmo sexo, concedeu o direito à autodeterminação às nações que o desejassem e transformou radicalmente os sistemas de educação e de saúde a favor dos trabalhadores e dos pobres. Criaram a Internacional Comunista, com o objetivo de construir um partido revolucionário mundial capaz de espalhar a revolução socialista.
No entanto, o capital internacional estava determinado a estrangular a revolução. As forças czaristas e outras forças reaccionárias montaram exércitos para se oporem à revolução, a que rapidamente se juntaram os exércitos de vinte outros países, incluindo grandes contingentes de tropas britânicas, japonesas, checas, alemãs, turcas, francesas e norte-americanas, enquanto noutros locais outros movimentos revolucionários eram brutalmente reprimidos – com, por exemplo, o assassinato dos heróicos revolucionários alemães anti-guerra Luxemburgo e Liebknecht. A intervenção imperialista, que conduziu a uma guerra civil brutal, quase destruiu a nova república soviética.
Isolamento da revolução
Lenine que, com Trotsky, dirigiu a Revolução Russa, morreu em janeiro de 1924. No seu último ano de vida, sofreu um AVC após outro, muito provavelmente causado pela tentativa falhada de assassinato da social-revolucionária Fanny Kaplan, em 1918. Não é, no entanto, por acaso que o seu último grande discurso, em novembro de 1922, foi proferido no 4º Congresso da Internacional Comunista, onde discutiu as perspectivas da revolução mundial. A este discurso seguiu-se uma série de cartas em que exprimia a sua preocupação com a crescente influência de Estaline. Formou um bloco com Trotsky para defender o monopólio do comércio externo e solicitou ao Congresso Soviético que encontrasse uma forma de afastar Estaline do cargo de Secretário-Geral.
Lenine compreendeu muito bem, e de facto o princípio estava consagrado no ADN do partido bolchevique, que para que o novo Estado soviético na Rússia sobrevivesse e se desenvolvesse numa direção genuinamente socialista, era necessário alargar a revolução a toda a Europa e ao mundo. A insistência de Lenine em que a nova URSS fosse uma união de Estados socialistas independentes tinha como objetivo aceitar uma futura Alemanha socialista como parceiro igual.
A guerra civil de quatro anos travada pelos exércitos reacionários e imperialistas que procuravam anular a revolução tirou a vida a muitos dos melhores combatentes da classe, deixou grande parte do país em ruínas e a economia russa em frangalhos. O novo Estado soviético precisava desesperadamente que a revolução se espalhasse pelos países mais desenvolvidos. A revolução alemã derrubou o Kaiser antes de ser traída pelos sociais-democratas. Na Hungria, um governo revolucionário chegou ao poder, mas rapidamente se desmoronou, enquanto grandes vagas revolucionárias se espalhavam pela Turquia, Itália, México, Índia, Egito, Irlanda e outros países.
O que faltava nesses países eram partidos revolucionários como os bolcheviques e, consequentemente, a Rússia Soviética ficou isolada, lançando as bases para a futura degeneração da revolução, um processo que não se deu de um salto, mas ao longo do tempo, de acordo com uma série de desenvolvimentos internacionais e nacionais, resistidos até ao fim pelos apoiantes do que se tornou a Oposição de Esquerda Internacional e, depois, a Quarta Internacional, liderada por Trotsky.
Destruição causada pela guerra civil
A guerra civil não foi apenas extremamente destrutiva, mas exigiu medidas políticas que normalmente não seriam de esperar numa sociedade socialista democrática. A economia estava excessivamente centralizada, em vez de os camponeses serem autorizados a desenvolver as suas terras recém conquistadas, viam os seus cereais requisitados pelo Estado, e a própria natureza da guerra exigia uma disciplina militar rigorosa.
No entanto, mesmo nesta situação, debates sobre políticas continuaram no seio do partido bolchevique. Só em 1921 é que se considerou necessário introduzir uma proibição temporária das facções – uma proibição que Lenine sublinhou na sua resolução que se destinava a manter a unidade do partido numa altura de crise grave, quando este estava a ser atacado em muitas frentes. De forma alguma, sublinhou, qualquer crítica ou argumento genuíno deveria ser restringido, mas em vez de ser utilizado para fins de fação, deveria ser discutido por todo o partido.
Lenine estava também a reconhecer outro processo que estava a minar o novo Estado soviético. Este tinha, em muitos aspectos, herdado o aparelho de Estado do antigo sistema czarista. Só o controlo democrático mais generalizado, principalmente por parte da classe operária, poderia desmantelá-lo, mas isso era cada vez mais impossível porque os combatentes de classe mais conscientes tinham sido levados para o exército, ou o seu tempo era devorado pelas inúmeras tarefas administrativas necessárias para gerir a sociedade. Por esta razão, numa das suas últimas contribuições, Lenine propôs reforçar o papel político do Comité Central e aumentar a eficácia da Inspeção dos Trabalhadores e Camponeses destinada a combater a burocracia.
Em 1920, iniciou-se um debate no seio do novo Estado sobre a melhor forma de desenvolver a economia. Trotsky, que não era apenas líder do Exército Vermelho, mas também tinha estado envolvido na direção do trabalho económico e dos caminhos-de-ferro nos Urais, tinha visto os problemas causados pela centralização excessiva. Em fevereiro de 1920, propôs substituir a requisição de cereais por um imposto progressivo sobre os camponeses. Lenine rejeitou inicialmente esta ideia. Mas, com o atraso da revolução europeia, Lenine propôs, em 1921, a Nova Política Económica (NEP) como medida temporária. Esta medida flexibilizou as duras condições que tinham sido necessárias para a economia durante a guerra civil, reduzindo alguma da pressão económica, mas à custa de dar mais poder às forças de mercado, aos camponeses mais ricos e aos especialistas de antes da revolução.
A introdução da NEP conduziu ao desenvolvimento económico, mas também reforçou as tendências burocráticas e pró-capitalistas, tanto no aparelho de Estado como, cada vez mais, no partido.
A última luta de Lenine
As tendências burocráticas em desenvolvimento eram cada vez mais visíveis no tratamento das nacionalidades não russas. Em 1917, apenas 45% da população russa era de etnia russa e havia mais de 200 outros grupos étnicos representados no novo Estado soviético. Lénine estava cada vez mais preocupado com a forma pesada como os apoiantes de Estaline tinham espezinhado as sensibilidades nacionais na Geórgia. Combateu a proposta de Estaline de unificar as, na altura, três outras repúblicas soviéticas na Federação Socialista Russa, insistindo antes em que cada uma delas deveria ter um estatuto igual ao da Rússia na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Tendo visto como Estaline e os seus apoiantes se baseavam no nacionalismo retrógrado da grande Rússia, “declarou guerra até à morte ao chauvinismo nacional dominante”. Para o fazer, abriu uma batalha ideológica sobre a questão nacional, pedindo a Trotsky que defendesse, em seu nome, os bolcheviques georgianos que tinham sido vítimas de intimidação por parte dos capangas de Estaline.
Na altura do 12º Congresso do Partido, em 1923, os trabalhadores do partido a tempo inteiro ocupavam mais de metade dos lugares de delegados. Mas Lenine, já debilitado por acidentes vasculares cerebrais, morreu no início de 1924, incapaz de continuar a sua luta contra a burocracia em desenvolvimento.
Uma nova fase da revolução mundial poderia ter restaurado a confiança da classe operária russa. Em 1923, os franceses ocuparam o Ruhr e registou-se um novo surto de revolução na Alemanha. Tendo cometido graves erros de ultra-esquerda em 1921, os comunistas alemães, aconselhados por Zinoviev e Bukharin, não reconheceram a importância de uma ação decisiva quando se desenvolveu uma situação revolucionária em 1923. Começaram por convocar uma greve geral geral mas, à última hora, cancelaram-na. A notícia chegou demasiado tarde a Hamburgo. A insurreição durou três dias antes de se desmoronar. Este facto deixou os comunistas alemães desacreditados e a classe operária desmoralizada, o que acabou por abrir caminho à vitória de Hitler.
Foi este o pano de fundo do 13º Congresso do Partido, realizado no início de 1924, logo após a morte de Lenine. Estaline e os seus apoiantes conseguiram suprimir o Último Testamento de Lenine, que exigia a destituição de Estaline como Secretário-Geral.
Novas crises
Não é verdade, como afirmaram Isaac Deutscher e Pierre Broue, que Trotsky não tenha assumido a luta contra Estaline em 1923. É verdade que Trotsky queria evitar parecer que estava a aproveitar-se da morte de Lenine para travar uma luta pelo poder. Mas ele levantou tenazmente a questão da Geórgia, primeiro no Pravda, antes que Stalin recuasse publicamente sobre essa questão. Trotsky concentrou-se então na economia, na qual levantou a necessidade de reforçar o ritmo da industrialização, e na democracia interna do partido, explicando que só um regime partidário saudável permitiria um reagrupamento ideológico para se opor à contraofensiva do aparelho e dos elementos mais conservadores.
Por esta altura, outras crises se estavam a desenrolar-se. A NEP conduziu ao crescimento económico, mas os seus efeitos negativos acentuaram-se. Naquilo que foi, de facto, a restauração do capitalismo em pequena escala, desenvolveu-se uma nova casta de camponeses ricos, comerciantes e especuladores, os chamados homens da NEP. Estes, por sua vez, influenciaram cada vez mais a crescente camada de “chinovniks” – burocratas do Estado, muitos dos quais tinham sido mencheviques em 1917 ou mesmo trabalhado para o regime czarista. Trotsky falou da “crise das tesouras” – queda dos preços agrícolas enquanto os preços industriais subiam. Isto significava que os camponeses não podiam comprar o equipamento de que necessitavam e que o abastecimento das cidades diminuía. Enquanto crescia uma camada de camponeses ricos – os kulaks -, as massas rurais viviam na pobreza e o desemprego urbano aumentava.
Oposição crescente
Trotsky estava longe de ser o único a criticar a crescente burocracia. Dezenas de milhares de bolcheviques opuseram-se à contrarrevolução estalinista. Em outubro de 1923, muitos “velhos bolcheviques”, revolucionários ativos com décadas de experiência, como Preobrazhensky, Smirnov, Pyatakov e Sapronov, assinaram a “Plataforma dos 46” em outubro de 1923. A eles juntaram-se Vladimir Antonov-Ovseenko, o antigo soldado que liderou a tomada do Palácio de inverno, Evgeniya Bosh, membro fundador dos bolcheviques ucranianos, que liderou o levantamento armado em Kiev, bem como Christian Rakovsky, o revolucionário nascido na Bulgária e um dos aliados mais próximos de Trotsky. Com exceção de Bosh, que morreu de doença em 1925, todos eles foram executados por Estaline entre 1936 e 1938.
A “Plataforma dos 46” criticava a gestão caótica da indústria, propondo, em vez disso, a utilização mais eficaz da planificação estatal para acelerar a industrialização do país, melhorar o nível de vida e reforçar o papel desempenhado pela classe operária. Apontando para o crescimento da burocracia, opunha-se aos seus privilégios crescentes e ao “regime opressivo do partido” dominado pela “seleção da hierarquia do partido pelo Secretariado”.
Estaline não tinha, nessa fase, autoridade para governar o partido sozinho. Foi formada uma “troika”: Grigory Zinoviev, Lev Kamenev e Joseph Stalin apresentavam-se como os sucessores naturais de Lenine. Embora o Secretariado tenha proibido a distribuição da posição de Trotsky, ainda havia vida no partido. A imprensa do partido, incluindo o Pravda e o Isvestia, publicou muitos relatórios sobre a forma como a oposição estava a ganhar o debate, incluindo em vários distritos importantes de Moscovo.
Oposição à burocracia e ao privilégio
Em 1923, os bolcheviques ainda acreditavam que qualquer membro do partido que ocupasse um cargo não deveria receber mais do que um trabalhador qualificado. Lenine, em 1922, recebia 4700 rublos por mês, apenas 37% acima da média dos trabalhadores fabris. Em 1924, quase todos os cargos estatais e partidários eram ocupados por pessoas que tinham aderido ao partido antes de 1917. Entre eles, porém, havia muitos antigos trabalhadores que tinham combatido na guerra. Mas, após a morte de Lenine, iniciou-se o “Levantamento Lenine”. Centenas de milhares de trabalhadores politicamente inactivos, muitas vezes sob a pressão de perderem os seus empregos, foram recrutados para o partido. Era uma porta aberta para aqueles que viam o partido como um caminho para o privilégio e o sucesso. Em 1927, o número de membros do partido tinha triplicado para 1,2 milhões. Os membros do partido passaram a esperar promoções, pacotes de alimentos e até melhores habitações, quando outros sofriam fome e escassez de alimentos. O máximo de salário do partido foi abolido por um decreto secreto em 1932.
A Troika acusou a Oposição de Esquerda de semear divisões entre facções que ameaçavam a unidade do partido e afastou Trotsky e outros dos seus cargos. Vários deles foram enviados para o estrangeiro como embaixadores – Rakovsky para França, Joffe para a China, Krestinsky para a Alemanha e Kotziubinski para a Áustria.
A purga estendeu-se à Internacional Comunista durante o Quinto Congresso, em 1924. Zinoviev introduziu uma política mal denominada de “bolchevização”, exigindo que as secções denunciassem o “trotskismo”. Os comunistas franceses que tinham publicado o “Novo Curso” de Trotsky foram expulsos. Toda a direção do partido polaco, que apoiava Trotsky, foi eliminada. Na Alemanha, Brandler, um opositor de Trotsky que estava na ala direita do partido, também foi expulso, responsabilizado pelo fracasso de 1923, aliviando assim a burocracia do seu papel. Só se realizaram mais dois congressos do Comintern até 1943, altura em que Estaline o dissolveu para agradar aos seus aliados imperialistas.
Mal Lenin morreu, começou-se a trabalhar na rejeição da necessidade de uma Revolução Mundial. Os bolcheviques compreendiam que uma revolução socialista num país semi-feudal como a Rússia só poderia ser sustentada pela expansão da revolução aos países capitalistas avançados. No entanto, no final de 1924, Nikolai Bukharin, que mais tarde se tornaria um firme aliado de Estaline, introduziu a ideia de construir o “socialismo num país separado”, geralmente traduzido como “socialismo num só país”.
Em 1926, isto tinha-se tornado a política oficial do Comintern. A causa da revolução mundial estava subordinada ao estabelecimento de boas relações com os nacionalistas burgueses e os burocratas sindicais. Estas forças seriam utilizadas para se oporem à intervenção militar contra a União Soviética, mas também se moveriam contra a crescente militância da classe trabalhadora no estrangeiro. A nível interno, a burocracia apoiou-se na crescente desigualdade que se tinha desenvolvido com a Nova Política Económica, com Bukharin a apelar aos camponeses mais ricos para que “enriquecessem”.
A Oposição Conjunta
Estas políticas burocráticas provocaram uma nova crise que levou a uma segunda vaga de oposição e a uma rutura no seio da burocracia. Leningrado, anteriormente chamada Petrogrado, era onde Zinoviev e Kamenev tinham uma base forte. Era uma cidade industrial mais diretamente afetada pelas políticas de Estaline e Bukharin. Sob pressão vinda de baixo, os dois antigos membros da Troika passaram para a oposição, apelando a um reforço da democracia interna do partido e alertando para as “limitações nacionais” do “socialismo num só país”. Isto deixou Estaline apoiado na ala direita – Bukharin, Rykov e Tomsky, que promoveram o reforço dos camponeses ricos no campo e da classe empresarial nas cidades.
Foi criada uma nova Oposição Conjunta entre a Oposição de Esquerda, a “Oposição de Leninegrado” e outras. O seu documento definidor foi a “Plataforma da Oposição Conjunta” de 1927. Este documento apelava à revitalização dos sovietes, ao desenvolvimento da indústria numa base democrática, à mobilização dos camponeses pobres e médios contra os kulak, e a outras exigências.
A segunda vaga de luta foi muito mais intensa do que em 1923. A tipografia da Oposição foi atacada e os seus responsáveis foram presos. A imprensa estatal publicou teorias de conspiração sobre o facto de a Oposição trabalhar com os Guardas Brancos. Com este nível mais elevado de opressão, a Oposição trouxe a luta para o público. Ocuparam edifícios públicos para organizar reuniões públicas ilegais à luz de velas, uma vez que a eletricidade tinha sido desligada.
Questões internacionais
Houve também importantes disputas sobre questões internacionais. Em 1926, milhões de trabalhadores britânicos saíram à rua numa greve geral em apoio aos mineiros que estavam a fazer greve contra os cortes salariais. Durante os nove dias de ação, a greve tomou rapidamente um rumo insurrecional e, em algumas cidades, os sindicatos assumiram o controlo do abastecimento e da distribuição de alimentos. Mas depois de Churchill, então Chanceler do Tesouro, ter desafiado os líderes sindicais a cancelar a greve ou a tomar o poder, a greve foi traída quando ainda estava a ganhar ímpeto. Antes disso, a burocracia estalinista tinha criado o Comité Anglo-Russo, uma aliança de líderes sindicais soviéticos e britânicos. Esta aliança não se baseava na crítica entre camaradas, mas em banquetes e elogios mútuos e deixou os comunistas britânicos desarmados, incapazes de preparar a classe trabalhadora para a sua traição pelos líderes sindicais. A traição deixou a classe trabalhadora chocada e derrotada.
Uma luta ainda mais amarga estava a desenrolar-se na China, onde um movimento revolucionário viu o nacionalista burguês Kuomintang chegar ao poder. O Comintern tinha seguido uma política desastrosa. Em 1922-23, aconselhou os comunistas chineses a juntarem-se ao Kuomintang burguês. Apenas Trotsky se opôs a isso na direção do Comintern. Como consequência, o Partido Chinês não desenvolveu ações independentes, enquanto Estaline e Bukharin actuaram como líderes de claque do Kuomintang, convidando-o a aderir ao Comintern.
Este facto revelou-se fatal quando os interesses da burguesia chinesa entraram em conflito com o proletariado e, em 1927, o Kuomintang lançou um golpe de Estado que assassinou milhares de trabalhadores, especialmente membros do Partido Comunista Chinês. Este facto trouxe a luta da Oposição de Esquerda para a arena internacional.
A traição da revolução chinesa provou ser uma confirmação impressionante da teoria da revolução permanente de Trotsky. O apoio à Oposição de Esquerda aumentou em centenas e até milhares. No entanto, esta confirmação das ideias de Trotsky foi um golpe esmagador para o seu movimento. Não basta ter razão. As vitórias e as derrotas concretas podem moldar a consciência de forma muito mais poderosa do que os argumentos lógicos. A Revolução Russa confirmou a teoria de Trotsky de uma forma positiva, enquanto a Revolução Chinesa confirmou a teoria de Trotsky de uma forma negativa. A derrota na China, como a derrota anterior na Alemanha, desmobilizou a luta internacional da classe trabalhadora, aumentando a desmoralização e a base social na qual a burocracia se apoiava.
O ziguezague de Estaline
Por esta altura, a economia soviética tinha sofrido um sério reforço das tendências capitalistas, especialmente na terra, em detrimento da indústria gerida pelo Estado. Em 1926, 60% das vendas de cereais estavam nas mãos de apenas 6% das explorações camponesas. Os economistas do partido discutiram ativamente a eliminação das restrições à venda de trigo e o monopólio estatal do comércio externo.
O fosso entre os preços dos cereais e dos produtos industriais que Trotsky tinha identificado anteriormente manteve-se. Em 1927, desenvolveu-se uma greve de cereais – a entrega de cereais nas cidades foi reduzida em 2/3. Seguiu-se uma vaga de terror organizada pelos kulaks, os camponeses ricos, no país, em que foram mortos mais de 1150 comunistas. No final do ano, mesmo em Moscovo, não havia chá, sabão, óleo de cozinha ou pão branco à venda. Toda a indústria têxtil da cidade fechou durante 4 meses.
No final de 1927, Zinoviev e Kamenev tinham capitulado perante Estaline. Inicialmente, Estaline ignorou a escalada da crise e, durante o Congresso do Partido de 1928, falou apenas de um sucesso galopante. No entanto, semanas mais tarde, entrou em pânico. Num enorme ziguezague, anunciou um plano económico de cinco anos e a coletivização “forçada” da terra. Em 1925, Trotsky tinha sido denunciado por exigir uma “super-industrialização”, porque tinha defendido que a indústria devia crescer a 10-14%, mas agora Estaline exigia taxas de crescimento de 21-25% ao ano.
Trotsky descreveu como as elevadas taxas de crescimento propostas por Estaline só poderiam ser alcançadas através de um esforço extremo, tipificado pelo “movimento Stakhanov”. Aleksei Stakhanov era um mineiro ucraniano que alcançou níveis de produção incríveis através, segundo Trotsky, de “uma intensificação do trabalho, e até mesmo de um alongamento da jornada de trabalho”. Recentemente foi revelado que, enquanto os mineiros comuns escavavam o carvão e depois voltavam para escorar o teto atrás deles, Stakhanov escavava sozinho o carvão com dois outros mineiros a seguir para escorar o teto. Todo o carvão extraído era então creditado a Stakhanov. Esta abordagem conduziu a uma diferenciação dramática entre os salários dos trabalhadores de choque, que ganhavam milhares de rublos, enquanto os restantes apenas centenas.
Muito mais dramática e desastrosa foi a política de coletivização forçada de Estaline. Os kulaks seriam agora “liquidados enquanto classe” e, em apenas dois anos, a propriedade coletiva das terras cultivadas aumentou de 2% para 77%. Isto levou a uma catástrofe humana — centenas de milhares, provavelmente milhões, morreram de fome, à medida que o campesinato em toda a URSS, desde a Ucrânia no Ocidente até ao Cazaquistão no Oriente, ficou sem meios de subsistência.
Repressão em massa
Opositores como Trotsky e Rakovsky viam isto como uma manobra burocrática, enquanto outros, como Preobrazhensky, Radek e Smilga, interpretaram erradamente este ziguezague como uma adoção de facto do programa da Oposição de Esquerda, levando-os a capitular perante Estaline. Este período marcou a plena consolidação da burocracia estalinista. Opositores, tanto da esquerda como da direita, foram presos e frequentemente exilados na Sibéria. Foi instituída a pena de morte contra os opositores. Trotsky foi exilado, primeiro para o Cazaquistão e, mais tarde, expulso do país por completo, forçando-o a fugir para a Turquia.
Apesar de décadas de propaganda sobre a alegada brutalidade do regime bolchevique nos seus primeiros anos, as suas políticas foram significativamente mais humanitárias do que as das principais nações capitalistas. Em 1923, quando o país estava apenas a emergir da guerra civil, havia pouco menos de 80.000 prisioneiros na URSS — dos quais cerca de 4.000 eram “políticos”, acusados de crimes de guerra, pogroms e outros delitos. O número de prisioneiros políticos começou a crescer significativamente apenas em 1926 — e já não provenientes de círculos reacionários, mas sim de apoiantes da revolução. Para comparação, em 1923 havia uma vez e meia mais prisioneiros per capita nos EUA e, na Rússia atual, há dez vezes mais prisioneiros. Mas, à medida que o regime estalinista intensificava a repressão política, o número de prisioneiros atingiu 175.000 em 1930 e, em 1940, já ascendia a 1.660.000 pessoas.
Em 1937, Trotsky explicou que o bolchevismo e o estalinismo estavam separados por um “verdadeiro rio de sangue”. O regime estalinista, com o seu estado policial e métodos burocráticos, não conseguiu — embora em certos momentos tenha tentado — reverter completamente as conquistas da revolução de Outubro. Os avanços económicos alcançados através da nacionalização e do planeamento estatal, especialmente quando contrastados com a Grande Depressão que assolava o capitalismo ocidental, permitiram a industrialização e melhorias dramáticas nas condições de vida da classe trabalhadora. Mas esses progressos foram conquistados a um custo humano enorme. Significavam, como Trotsky escreveu na sua obra-prima A Revolução Traída, a necessidade de uma nova revolução.
“A revolução que a burocracia está a preparar contra si mesma não será social, como a revolução de Outubro de 1917. Desta vez, não se trata de alterar os fundamentos económicos da sociedade, de substituir certas formas de propriedade por outras. A história conheceu, além das revoluções sociais que substituíram o regime feudal pelo burguês, também revoluções políticas que, sem destruírem as bases económicas da sociedade, varreram uma velha camada dominante (1830 e 1848 em França, Fevereiro de 1917 na Rússia, etc.). O derrube da casta bonapartista terá, naturalmente, profundas consequências sociais, mas em si mesmo estará limitado ao âmbito de uma revolução política.”
Na próxima parte, será abordada a história da formação da Quarta Internacional.