– Artigo publicado originalmente em castelhano a 3 de Junho de 2024 pela Alternativa Socialista (secção da ASI no México) –
A vitória esmagadora de Claudia Sheinbaum com 59% dos votos, contra 29% de Xóchitl Gálvez, ratifica o espírito de mudança expresso nas urnas desde 2018. A derrota da direita, por 2 a 1, é, sem dúvida, um novo avanço dos trabalhadores e dos oprimidos contra a miséria e a fome. No entanto, a queda da Bolsa de Valores do México um dia após a eleição em quase 6 pontos, a maior desde o início da pandemia de Covid 19, é uma mensagem clara dos mercados e investidores e mostra as novas dificuldades para consolidar os desejos da maioria.
AMLO presidente
As eleições de 2018 marcaram um ponto de viragem na luta de classes no México. Ao contrário de 2006 e 2012, quando a burguesia impediu a vitória de AMLO por meio de fraudes eleitorais, nesta ocasião, diante do medo de um potencial surto social em caso de uma nova fraude, a classe dominante e seus partidos foram forçados a recuar e aceitar com relutância a vitória eleitoral de Morena e seu candidato. Acima de tudo, o resultado mais relevante dessas eleições foi o facto de as massas exploradas e oprimidas terem demonstrado que a burguesia pode ser empurrada para um canto, apesar do seu monopólio sobre o Estado, o exército e os seus multimilionários meios de informação e manipulação de massas. Mesmo apesar da sua santa aliança com o clero e os seus porta-vozes pró-direita no púlpito.
É neste quadro de confiança nas suas próprias forças, mas também inspirado pela memória dos ataques sistemáticos e selvagens dos governos do PRI e do PAN contra as condições de vida e de trabalho, que a classe trabalhadora e o campesinato pobre acorrem em massa às urnas neste dia 2 de junho, para fechar mais uma vez a porta aos partidos de direita, a favor de Claudia Sheinbaum, do MORENA, em detrimento de Xóchitl Gálvez, da grotesca coligação PAN-PRI-PRD.
Se é verdade que as reformas promovidas por AMLO foram limitadas, não deixaram de ser suficientemente significativas para que as massas oprimidas fossem confrontadas com o enorme atraso social herdado dos partidos de direita e encontrassem aí um poderoso estímulo para utilizar o voto como mecanismo de defesa das conquistas sociais alcançadas até à data. Basta referir o aumento dos salários reais de mais de 100% nos últimos seis anos, que contrasta com os ridículos e humilhantes aumentos salariais dos governos do PRI e do PAN de apenas alguns pontos percentuais. Para não falar do conjunto de programas sociais, como o Jóvenes Construyendo Futuro, as bolsas de estudo para os estudantes das universidades públicas ou a pensão universal para os idosos, que significou um verdadeiro alívio para milhões de trabalhadores e camponeses do país.
Tais reformas são acompanhadas, por sua vez, pela ausência de certos avanços sociais devido à própria política de conciliação que tem prevalecido em muitas áreas do governo, como a atual reforma do tempo de trabalho, a questão da rutura de relações com Israel, a erradicação da violência de género contra as mulheres ou a ainda virtual, para não dizer inexistente, reforma fiscal. No entanto, e apesar dos limites desta atitude, as conquistas estão a ecoar na cabeça de milhões de trabalhadores, donas de casa, agricultores pobres, operários e estudantes, que, segundo as estatísticas nacionais, foram a base da votação eleitoral de Morena e Claudia Sheinbaum. Somando mais de 9 milhões de votos a nível federal. Trata-se de um recorde histórico de participação para a primeira mulher presidente de um México com mais de 200 anos de existência.
A direita está nas lonas, mas ainda se pode reerguer
A nova derrota da direita é, sem dúvida, uma confirmação do espírito de mudança de milhões de trabalhadores e oprimidos do país. Deixando claro que não está disposta a aceitar um regresso ao passado nefasto do PRI e do PAN, a classe trabalhadora voltou a fazer sentir a sua força, obtendo mais um resultado significativo: encurralar como nunca o PAN, condenar à morte os traidores que se abrigam sob a sigla do PRD e levar à beira da extinção aquele que foi durante décadas o poderosíssimo partido da burguesia mexicana, o PRI. A direita chegou às eleições dividida e em crise e agora, depois da vitória esmagadora de Claudia, o prognóstico para essas forças é o aprofundamento dessa crise, levando-as a uma situação intolerável que as fará explodir em pedaços, modificando substancialmente o regime partidário neste país.
A derrota da direita não é apenas dos seus partidos, que desde 2018 estão a atravessar uma crise que se agravará após as eleições de 2024. É também a derrota moral e política de uma camada de intelectuais e formadores de opinião que defendiam ideias de direita sob o manto sagrado da democracia. A eleição rebentou na cara destes propagandistas da miséria das maiorias, que há já algum tempo vivem desfasados da realidade das maiorias, e que hoje é ainda mais evidente perante a sua absoluta descrença nos resultados que as sondagens anunciam há meses.
A derrota sofrida pela direita após a vitória de Claudia é a pior da sua história em termos de efeitos nefastos para ela, para as suas forças e para a sua tradicional base social de apoio, a pequena burguesia, agora tremendamente desmoralizada. Mas isso não significa o fim da direita, talvez da sua sigla, sobretudo do PRI, mas não significa o fim dela como corrente política. Apesar de estar na lona, a direita é a representação política dos donos do capital, dos empresários e banqueiros, e conta ainda com o apoio incondicional dos monopólios de rádio e televisão. Tudo isso junto com sua sacrossanta aliança com o rebanho católico e ministros de outros cultos religiosos. Por outras palavras, apesar de tudo, a direita dispõe ainda de poderosos meios políticos e financeiros para se reagrupar e se lançar de novo, com as mesmas ou diferentes siglas, na conquista do aparelho de Estado, agora nas mãos de uma esquerda reformista.
Mas não é apenas o que a direita tem à sua disposição para eventualmente se recuperar e formar uma força capaz de disputar a presidência com Morena; o que Claudia faz ou não faz como chefe de Estado também conta na equação. Um eventual travão para a direita não é apenas continuar o mesmo caminho de AMLO nas formas sociais, mas é necessário ir ainda mais longe, porque uma política de conciliação de classes e de concessões à burguesia não só terá um efeito prejudicial sobre os interesses das famílias trabalhadoras, como também enfraquecerá o apoio popular a Morena, criando condições favoráveis para a direita capitalizar o descontentamento social. Exatamente como aconteceu na Argentina, quando o governo do hesitante Alberto Fernández cedeu ao Fundo Monetário Internacional, resultando na ascensão do ultra-direitista Milei, que acabaria por se tornar chefe do governo daquela nação.
A ameaça da extrema-direita não é um exagero. As tentativas de se apresentarem como vencedores até ao fim deixaram claro que a ameaça existia e existe. A este respeito, Xochitl já indicou que irá contestar os resultados, apesar de os ter reconhecido na noite de 2 de junho, dando sinais claros de uma nova tentativa de judicializar as eleições face à sua derrota muito clara por quase trinta pontos. Isto segue-se aos apelos da Maré Rosa, liderada pelos partidos de direita, para defender o Instituto Nacional Eleitoral face a uma reforma proposta por Obrador. Isso mostra que a direita e a burguesia, mesmo parcialmente derrotadas, lutarão para impedir novos avanços em benefício do povo trabalhador.
É claro que uma recuperação da direita que a coloque em posição de desafiar seriamente Morena para a presidência não será automática, nem estará livre de contradições. No entanto, apesar de sua enorme podridão, a direita não é uma maçã madura que cairá no chão por disposição da lei da gravitação universal. Enquanto o capitalismo existir, a direita será capaz de recuperar de qualquer revés, por mais grave que seja. Portanto, se o que dá viabilidade à direita é o apoio dos grandes monopólios da indústria, da banca, dos media, etc., então o caminho a seguir é a expropriação desses monopólios sob o controlo democrático da classe trabalhadora.
Não há outro caminho! Uma concessão aos patrões só pode ser feita na condição de que algo seja retirado, direta ou indiretamente, às famílias trabalhadoras. Esta verdade é verdadeira em qualquer altura, mas é ainda mais verdadeira quando a economia entra em crise, uma situação em que não há outra forma de tentar salvar o capitalismo senão esmagar todas as conquistas sociais possíveis.
A única maneira de defender as reformas sociais promovidas por AMLO, e de ir ainda mais longe nelas, é aniquilar pela raiz aquilo que as põe em perigo, ou seja, eliminar o monopólio dos empresários e banqueiros sobre as principais alavancas da economia e dos meios de comunicação. Esta é a única garantia que a classe trabalhadora e o campesinato pobre têm de evitar, para falar apenas do passado recente, que crises económicas como os “erros de dezembro” de 1994 (Salinas e Zedillo) e a de 2008 com Calderón, acabem por se traduzir em desemprego em massa, pauperização salarial e, em suma, mais miséria e exploração para os explorados deste país.
Reclamemos Morena para os trabalhadores, fora com os ‘chapulines’, carreiristas e arrivistas!
Avançar no sentido da salvaguarda irreversível das conquistas sociais alcançadas pelo impulso da nossa classe exige, por outro lado, uma maior e melhor organização do povo trabalhador, dos explorados e oprimidos da sociedade. Necessitamos de um programa político que compatibilize as reformas sociais com a tarefa histórica do proletariado, que é aniquilar o monopólio do capital sobre os principais meios de vida, e em quantidade necessitamos de um nível de organização que assegure que nas nossas organizações, sindicatos e partidos, neste último caso o Morena, a nossa vontade seja a que domina o quotidiano destes agrupamentos.
Nos últimos anos, artigo a artigo, destacámos as contradições que se desenvolveram dentro de Morena com o triunfo eleitoral de 2018. O encerramento dos comités de base, a política de “porta aberta” de Delgado, a imposição de candidaturas e os acordos orientados pela direita foram atitudes que deslocaram as bases, reduzindo a sua militância a uma simples operação eleitoral durante o período de campanha. Descrevemos o Morena como um partido insalvável devido à própria dinâmica que o tinha empurrado para a vida eleitoral virtual, à falta de discussão programática e ao apoio artificial a uma política sem princípios de “Unidade”. No entanto, o resultado atual do triunfo, extraordinário em muitos aspectos, levanta a possibilidade de mudanças na situação dessa organização. Em particular, está a desenvolver-se uma nova onda de militância que, entre outras coisas, proporá a recuperação do partido para as bases morenistas.
O triunfo de Cláudia, e mais ainda de personagens como Clara Brugada, é também um acontecimento catalisador que inspirará novas e velhas camadas da militância a lutar contra a direita e o oportunismo da sua direção. E, nesse caso, nós, socialistas, devemos estar lá, acompanhando esses milhares de militantes que esperam recuperar o seu partido das garras de Mário Delgado e companhia. E também, ao mesmo tempo, estar preparados para acompanhar os possíveis confrontos, tentando romper com a política conciliatória da direção oportunista. Mesmo uma rutura com a esquerda ou a direita não está fora de questão; o processo interno para a eleição de candidatos que começou em setembro do ano passado e a campanha subsequente apenas adiaram temporariamente os confrontos dentro do Morena. Mas agora, depois das eleições, esses confrontos voltarão à ribalta do partido. Em todo o caso, o que é certo é que a importância que o Morena continuará a ter nos próximos meses e anos na luta de classes não pode ser ignorada ou reduzida. A tática dos socialistas deve, por isso, centrar os seus esforços na análise da atual correlação de forças do partido com mais simpatizantes da classe trabalhadora e intervir neste processo que, embora cheio de contradições, pode permitir-nos ligar e construir uma força política mais à esquerda e com um programa socialista dentro e fora do partido.
É preciso que o Morena deixe de ser um partido que só vive nos períodos eleitorais, para se envolver nas diferentes lutas que se travam em todo o país. Precisamos de um Morena que chame à ação para apoiar, por exemplo, os trabalhadores em greve, os camponeses e as comunidades indígenas em defesa da terra e do campo, os estudantes que lutam em defesa da educação pública, as mulheres trabalhadoras, as raparigas, os estudantes do ensino secundário e universitário que exigem o direito à vida, contra o feminicídio, a favor do aborto, etc.
Portanto, para aprofundar a luta é necessário que o Morena rompa com o cretinismo parlamentar, ou seja, com um perfil de luta que propõe que o único caminho possível para se obter qualquer conquista social é através das Câmaras de Deputados e Senadores. E isso já obstruiu lutas importantes como a reforma da jornada de trabalho de 40 horas ou a legalização do aborto em alguns estados da república. A frente parlamentar deve ser apenas um apoio e complemento à mobilização de massas nas ruas, mas nunca um substituto para ela. E essa pressão parlamentar será ainda maior no próximo período, com a maioria relativa que o povo trabalhador alcançou, o perigo da liderança do Morena afirmar que não é necessário se mobilizar pois já tem maioria é muito latente. Isto pode significar não só um ressurgimento das tendências parlamentares e desmobilizadoras, mas também a consolidação do Morena como uma máquina eleitoral desligada do movimento real do povo trabalhador e das suas reivindicações.
O resultado de basear a luta apenas na frente parlamentar pode ser medido pela enorme facilidade com que os partidos de direita, em cumplicidade com a justiça, reverteram algumas das reformas aprovadas nas câmaras pela maioria parlamentar do Morena e seus aliados, incluindo a reforma energética. Mas para percorrer um caminho diferente ao do cretinismo parlamentar e com o objetivo de evitar concessões à classe capitalista parasitária, podem encontrar fortes resistências no seio do Morena. Referimo-nos ao caso dos chamados “chapulines”, elementos de direita que migraram dos seus partidos, o PRI e o PAN, para o Morena, no calor do estrondoso colapso destes partidos nas campanhas eleitorais. Muitos deles, após as eleições, ocupam agora cargos eleitos pelo povo (prefeito, governadores, senadores, deputados) e outros certamente serão integrados como funcionários públicos no governo de Claudia e em outros estados onde a esquerda está no governo.
A experiência de personagens como Lilly Tellez, Germán Martínez e Alejandro Rojo Díaz Duran mostra que a única coisa que se pode esperar dos “chapulines” é a traição. O pior é que essa camada de políticos de direita dentro do Morena se tornou mais forte do que no passado com López Obrador, no contexto da pré-campanha e da campanha de Claudia, com o falso argumento, apresentado até pelo presidente eleito, de que “não importa de onde viemos, mas para onde vamos”. Mas para onde vão todos estes oportunistas e oportunistas? Será que a sua direção será a mesma que a da nossa classe social, a classe trabalhadora? Será que vieram a Morena para defender o legado de reformas de AMLO? Será que vão no sentido de ajudar Claudia a avançar mais para a esquerda? Não! A resposta é não, mil vezes não!
O objetivo de todos esses carreiristas é se reproduzir como parasitas às custas do Estado e, portanto, mais cedo ou mais tarde eles trairão, virando as costas para AMLO e para a própria Claudia. Mas outro objetivo de toda a direita infiltrada em Morena será o de funcionar como um muro para travar qualquer clarão na política de Claudia que ponha em risco os interesses básicos da burguesia e do imperialismo. Em suma, os chapulines são uma frente dentro de Morena contra o ímpeto e a pressão dos milhões de mulheres e homens da classe trabalhadora que apoiam AMLO e que agora levaram Claudia Sheinbaum à presidência. E para ter mais peso, os chapulines vão organizar-se e agrupar-se. E não é de excluir que o façam mesmo em torno de figuras como Mario Delgado, Marcelo Ebrard e Ricardo Morneral, abrindo assim caminho para a tomada de Morena.
É por isso que os militantes e simpatizantes do Morena e do movimento operário devem desempenhar um papel mais protagonista, organizando comités de base e de ação em cada bairro, colónia, aldeia, fábrica e escola, onde a política do partido deve ser implementada. Para acabar com a política de portas abertas aos “chapulines”, temos de democratizar o Morena, colocá-lo ao serviço do povo trabalhador com o objetivo de promover uma política de classe para o Morena e os seus governos, lutar por uma democracia interna legítima no partido e, entre outras tarefas, expurgar o Morenismo dos elementos de direita e dos “chapulines”. São também um obstáculo à ligação com novas camadas da classe trabalhadora, das mulheres e da juventude com um potencial revolucionário para a luta, rejeitando estes elementos e exigindo coerência a um partido que se diz de esquerda.
Sem que a base social de apoio desempenhe um papel de peso real dentro do Morena, existe o perigo de que os elementos de direita infiltrados no partido acabem por se tornar um obstáculo à causa dos mais pobres e mais explorados, e até mesmo lançando ataques a partir das próprias fileiras do Morena contra as famílias trabalhadoras.
Só com a luta nas ruas conseguiremos avançar!
Temos de fechar a porta a uma eventual recuperação dos partidos de direita, seja com outros partidos ou com a mesma sigla. E temos que fechar a porta para o perigo de a direita se infiltrar no Morena e tomar as rédeas do partido e promover políticas reacionárias através do legislativo e dos governos do partido. Por isso, para além de nos organizarmos como classe para sermos o peso que define a direção do Morena e do Obradorismo, temos também de assumir a mobilização de rua como uma ferramenta extraordinariamente poderosa para demonstrar a nossa força e manter à distância os patrões, os seus partidos, os “chapulines” e os carreiristas, e para purgar o Morena de elementos de direita.
Mas também para tornar realidade os programas e reformas propostos por Claudia, porque a queda da bolsa apenas um dia após a eleição é uma mensagem clara da burguesia mexicana e internacional: não vamos recuar! Diante disso, a nossa resposta, a resposta dos trabalhadores e oprimidos deve ser: somente com a luta nas ruas avançaremos! Isso significa romper com a ilusão de que a maioria qualificada no Congresso resolverá todos os problemas. Não é o caso, a burguesia tem os meios de comunicação, os meios económicos e porta-vozes e representantes a todos os níveis para travar a batalha política contra todas as tentativas de mudança que ponham em causa os seus interesses de classe.
Por isso, temos de ligar a nossa luta à de todos os outros sectores oprimidos e explorados pelo capitalismo, onde quer que se encontrem. Mas esta ligação, para ser plenamente coerente, exige que lutemos por um programa que, ao mesmo tempo que defenda as reformas sociais, chame a classe trabalhadora a organizar-se e a mobilizar-se para romper com o capitalismo. Não pode haver vitória plena e definitiva sobre a direita e os patrões sem a mobilização organizada da classe operária e do campesinato pobre, empunhando um programa socialista.
Junta-te à Alternativa Socialista Internacional e luta connosco pela organização revolucionária da classe operária e dos outros sectores oprimidos pelo capitalismo!