– Artigo publicado no jornal número 2 (Setembro/Outubro 2023) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –
A destruição das condições de sobrevivência humana na Terra ocorre brutalmente diante dos nossos olhos, dia após dia. No Canadá, só este ano já arderam 14 milhões de hectares – uma área equivalente à Grécia. O fenómeno natural El Niño está a dar-nos uma horripilante amostra do que nos espera nos próximos anos com ondas de calor simultâneas no sul da Europa, América do Norte e China e terríveis inundações na Coreia do Sul, China e muitos outros lugares, atingindo especialmente trabalhadores e comunidades mais desfavorecidas. A guerra na Ucrânia e a intensificação do conflito interimperialista fez com que a maioria das ambições climáticas fossem jogadas ao mar por muitos países para “salvar a economia”, com anúncios de novos investimentos na energia fóssil.
A ditadura do lucro
“A produção capitalista só se desenvolve minando simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza – o solo e o trabalhador.” – Karl Marx, O Capital
Para o capitalismo, o sistema económico vigente, a natureza é um recurso a explorar gratuitamente. A economia é movida pela perspectiva de lucro de uma minoria e cada capitalista tem de defender a manutenção e crescimento dos seus lucros, tenham eles origem em investimentos fósseis ou não. Apenas 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões de CO2 nos últimos 35 anos, e elas sabem das consequências nefastas sobre o ambiente desde os anos 70. Enquanto estivermos num sistema cujo objetivo é o lucro e não a satisfação das necessidades da população e do ambiente, não será possível realizar as medidas necessárias para enfrentar a crise climática!
Podem o mercado e o seu Estado garantir uma transição justa e atempada?
O governo português reconheceu que a crise climática é uma emergência na Lei de Bases do Clima. Propôs uma transição energética justa rumo à neutralidade carbónica, em 2045. Mas não só 2045 é tarde demais para impedir as consequências brutais do aquecimento global, como não se verifica qualquer transição energética justa! A própria Lei já está em incumprimento!
Haverá exemplo mais gritante da parceria entre Estado e capitalistas do que o abate de mais de 1800 sobreiros aprovado a 3 de agosto em prol dos lucros da EDP? E o mar de estufas que cobre o sudoeste alentejano, à custa de condições laborais de escravatura e da degradação da biodiversidade local?
Transitar para uma economia sustentável implica mudanças drásticas na produção e distribuição de mercadorias, a começar pela energia, uma renovação profunda do setor residencial que erradique a pobreza energética, a expansão massiva das redes de transportes coletivos menos emissores, uma reflorestação intensiva e um efetivo controlo florestal… em outras palavras, seria necessário planificar toda a economia. Ora, nós não controlamos o que não possuímos. E quem possui não está interessado em fazer esta transição a menos que lucre com ela.
Se o mercado “livre” da desordem e da defesa da propriedade privada é incapaz da transição justa, a planificação económica com propriedade pública dos meios de produção e distribuição, em que as decisões são tomadas pelos trabalhadores – a maioria da população que tem interesse no fim da pobreza, das desigualdades, das opressões e da destruição climática -, é a única forma eficaz de a concretizar! Numa sociedade socialista, o investimento não é feito para o lucro mas para a satisfação das necessidades do conjunto da sociedade e do ambiente.
A classe trabalhadora é o agente de mudança
A luta pelo clima está diretamente ligada às lutas dos trabalhadores hoje. Bombeiros são cada vez mais difíceis de contratar pelas más condições de trabalho e pelo baixo salário, tendo o seu número diminuído para quase metade nos últimos 20 anos em Portugal. Nos EUA, trabalhadores sujeitos às altas temperaturas que o interior de um camião pode atingir (podem chegar aos 49°C) foram parar aos hospitais durante as ondas de calor, hoje cada vez mais frequentes. Estas vagas de calor fizeram-se sentir também na Europa e forçaram a região de Calábria, na Itália, a emitir uma lei para proteger as pessoas cujo trabalho envolvesse uma exposição prolongada ao sol, não lhes permitindo trabalhar entre as 12:30h e as 16h durante este verão. Inevitavelmente, as alterações climáticas continuarão a afetar as condições de trabalho de pessoas por todo o mundo, e em especial nos países neocoloniais.
Outro problema para a classe trabalhadora é que quando as empresas descarbonizam, são os trabalhadores que sofrem as consequências. Como no caso do encerramento da refinaria da GALP em Matosinhos ou da central a carvão da EDP em Sines, em que os trabalhadores foram deixados sem emprego nem soluções. Um grupo de ex-trabalhadores de Matosinhos, após perceber que as especializações tiradas dentro da GALP não são acreditadas e são, portanto, inúteis para voltar a encontrar emprego, procura hoje novas formações na carreira ferroviária, um emprego na mobilidade verde que observam como tendo futuro, não obtendo no entanto o apoio devido da parte do Estado. Uma transição justa tem de assegurar um futuro adequado para todos os trabalhadores das indústrias fósseis, através da requalificação e inserção destes profissionais nas novas indústrias imediatamente após o término das anteriores, sem perda de salários nem direitos.
É do maior interesse da classe trabalhadora lutar pela manutenção dos seus empregos e por melhores condições de trabalho e, como tal, é do seu interesse controlar a transição industrial. Esta classe é a única com o poder de enfrentar o capitalismo, pois este depende da sua mão de obra. Em vários países, vemos exemplos de como os trabalhadores se ergueram e mostraram a sua força para preservar empregos e atingir produção socialmente necessária e ambientalmente sustentável ao mesmo tempo.
Em França, durante a luta contra a reforma das pensões este ano, os trabalhadores das centrais de energia entraram em greve com as palavras de ordem “a energia não é uma mercadoria e sim um bem essencial cujo acesso deve ser garantido a todos”. Nas ações “Robin dos Bosques” cortaram a energia a bairros ricos, prédios governamentais, esquadras e grandes empresas, e tornaram-na gratuita ou baixaram a tarifa nos bairros de trabalhadores, escolas e hospitais. A transição justa requer mudanças na produção e distribuição de energia que só os trabalhadores do setor podem concretizar. A propriedade pública do setor energético sob controlo operário deve ser parte fundamental de um programa pela justiça climática.
A ocupação contínua da antiga fábrica da GKN (automotiva), na Itália, contra a perda de empregos e por uma transformação da produção é outro exemplo poderoso. A luta começou em julho de 2021, quando os 422 trabalhadores de peças automóveis foram demitidos abruptamente. Desde então, ocuparam a fábrica, tomaram controlo da produção e construíram uma luta poderosa contra a perda de empregos e pela “reconversão em direção à mobilidade sustentável e energia renovável” que tem sido apoiada por vários grupos climáticos e outros movimentos, conseguindo mobilizar grandes manifestações de até 40 mil pessoas. O tribunal do trabalho de Florença reconheceu o caráter ilegítimo dos despedimentos e a violação do Estatuto dos Trabalhadores Italianos e desde agosto de 2022 que os trabalhadores declararam a antiga GKN uma fábrica independente e socialmente integrada, onde a produção é dirigida pelos trabalhadores em coordenação com a comunidade local e o meio ambiente local.
No Reino Unido, em 1976, sob ameaça de despedimento, os trabalhadores da Lucas Aerospace formularam o Plano Lucas, em que conceberam 150 ideias para produtos, muitos dos quais altamente inovadores e que o capitalismo falhou em desenvolver nos últimos 50 anos. Só agora, sob pressão da crise climática, se estão a desenvolver seriamente algumas ideias do Plano Lucas, tais como bombas de calor, turbinas de vento, veículos alternativos e instrumentos de poupança de energia. Infelizmente, a empresa não foi nacionalizada, partes da Lucas Aerospace foram vendidas e outras encerradas. No entanto, o Plano Lucas catalisou ideias para a democratização do desenvolvimento tecnológico e gerou discussão e entusiasmo entre trabalhadores, ativistas e cientistas. É um excelente exemplo de como as decisões de converter a produção podem ser tomadas pelos trabalhadores recorrendo ao seu próprio know-how e às comunidades de que fazem parte. Em vez de despedimentos ou da produção de armas, os trabalhadores reivindicaram o direito à produção socialmente útil. Hoje a situação é semelhante em várias indústrias poluentes onde empregos são perdidos e fábricas encerradas.
Estes exemplos mostram-nos o potencial de transformação da classe trabalhadora mas também as limitações da organização dentro do capitalismo. A conversão industrial faz-se apoiada no know-how dos trabalhadores, mas por muito boas que sejam as ideias dos trabalhadores, quem possui os meios de produção é que decide. Uma mudança fundamental na produção só pode ser obtida ao abolir a propriedade privada. A classe trabalhadora tem o poder de tirar os meios de produção, extração de recursos e transporte das mãos dos capitalistas que procuram o lucro e desenvolver uma planificação democrática que priorize as pessoas. Assim emergiria uma sociedade racional e democraticamente planeada que abordaria as mudanças climáticas.
Como unir a juventude radicalizada à classe trabalhadora?
A geração mais jovem tem mostrado um espírito de luta implacável e verdadeiramente inspirador, tomando a vanguarda no movimento pela justiça climática. Mas como envolver ativamente segmentos mais amplos da classe trabalhadora nesta luta pela justiça climática? Por toda a Europa, movimentos como Code Rouge e Extinction Rebellion têm-se unido às greves laborais.
Em julho deste ano, ativistas de Code Rouge ocuparam as áreas de construção de novas explorações de gás, da central de energia nuclear e as instalações da sede da Engie, a empresa mais poluidora da Bélgica, durante quatro dias. Reivindicaram o fim da mercantilização da energia e a nacionalização desse setor, o fim aos subsídios para as grandes empresas poluidoras, e um plano de transição justa para os trabalhadores dos setores poluentes sob o seu controlo. Em outubro de 2022, já tinham bloqueado as infraestruturas da TotalEnergies e contactado diretamente a delegação sindical local, exprimindo que são os trabalhadores que devem dirigir a transição, bem como mensagens de solidariedade com os grevistas em França. No Reino Unido, 60 mil pessoas concentraram-se em frente ao parlamento de Londres em protestos organizados pela Extinction Rebellion, com participação dos membros do Sindicato de Serviços Públicos e Comerciais e de 200 organizações. Na Áustria, activistas de System Change not Climate Change e Fridays for Future apoiaram os trabalhadores ferroviários em greve por melhores salários e pediram solidariedade para com as greves no setor da educação.
Na Alemanha, durante a greve climática global a 3 de março, ativistas climáticos da Fridays for Future e trabalhadores dos transportes públicos do sindicato Ver.di entraram em greve juntos com o lema “We Ride Together”. Em pelo menos 30 cidades, ativistas climáticos visitaram piquetes de trabalhadores e fizeram-se manifestações em que se estima que um total de 200 mil pessoas tenha participado por todo o país. Um sistema de transporte público mais amplo e acessível é uma das medidas centrais para alcançar a transição climática socialmente justa. Esta aliança nacional entre o movimento climático e os trabalhadores exigiu as condições necessárias para essa transformação: melhores condições de trabalho e mais investimentos em infraestrutura de transporte público.
Inicialmente, uma greve conjunta parecia irreal – as alianças locais consistiam num punhado de pessoas e as greves climáticas não atraíam a maioria dos trabalhadores. Formas comuns de ação e uma linguagem comum tiveram de ser desenvolvidas. A cooperação no terreno assumiu formas muito diferentes: os ativistas começaram por organizar uma solidariedade concreta com os trabalhadores em greve – recolhendo declarações de solidariedade dos passageiros, confrontando os políticos com as reivindicações dos trabalhadores ou organizando reuniões com os cidadãos onde os trabalhadores falavam sobre as suas condições de trabalho. Desta forma, construíram ampla solidariedade pública com os trabalhadores. Em alguns casos, os próprios ativistas ajudaram a convencer os trabalhadores a entrar em greve.
Uma boa forma de começar será visitar os piquetes ou as manifestações dos trabalhadores em luta e conversar, encontrar ligações e reivindicações comuns e apoiar a sua luta. Entregar panfletos nos locais de trabalho também pode criar oportunidades para discutir e ligar as condições de trabalho com a crise climática e a juventude.
Programa Socialista para uma Sociedade Sustentável
1) Nem mais um cêntimo para armamento! Precisamos de investimento público no clima, na saúde e na educação, com um programa para cortar as emissões de gases de efeito de estufa (GEE) e proteger-nos dos desastres climáticos.
2) Por energia verde acessível! Os governos e elites dominantes estão a aumentar a produção de energia de origem fóssil e a importação de gás natural, sob o véu da ‘independência energética’. Precisamos de investimentos na produção pública de energia acessível e sustentável!
3) Não controlamos o que não nos pertence! Nacionalização sob controlo dos trabalhadores dos setores da energia e dos transportes.
4) Proteger recursos da exploração corporativa e imperialista. Gasodutos, oleodutos, desflorestação e exploração de minas, não! Pela proteção e planificação da floresta e pelo controlo democrático sobre como a terra e os recursos são usados!
5) Empregos para o Clima! Criação de milhões de empregos bem pagos e sustentáveis e assegurar que os direitos dos trabalhadores são garantidos e protegidos, como parte de uma transição justa.
6) Planeamento socialista democrático, não o caos do mercado. A tecnologia e o conhecimento para fazer uma transição rápida já existem, mas os interesses do lucro privado e da competição capitalista impedem-na. Não são as escolhas individuais eco-friendly que proporcionarão as mudanças de que precisamos. Sob a nossa propriedade e controlo, podemos efetuar uma redução rápida e eficaz das emissões, acabar com a obsolescência programada, reparar e reutilizar.
7) Não há soluções nacionais! Devido à imensa desigualdade global, os países mais pobres carregam o maior peso da crise climática. Todas as dívidas externas devem ser canceladas e as patentes sobre tecnologia e conhecimento cruciais devem ser removidas. Isto só pode ser ganho através de ação coordenada pela classe trabalhadora e pelos pobres internacionalmente.
8) Luta climática unida! Organiza comités de greve – mobiliza a tua comunidade e conecta com os trabalhadores e sindicatos em greve para construir um movimento coordenado de protestos e greves que paralise a economia e force mudanças reais.
9) Muda o Mundo – Luta pelo Socialismo Internacional! Só uma organização revolucionária construída internacionalmente com um programa claro para unir lutas e combater o capitalismo poderá transformar a sociedade. A Alternativa Socialista Internacional (ASI) luta ativamente pela mudança socialista em mais de 30 países. Junta-te à luta pelo fim do capitalismo, da destruição do planeta e de todas as formas de opressão – Junta-te à ASI.