– Artigo publicado no jornal número 1 (Abril/Maio 2023) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –
A (in)consciência climática em capitalismo
O governo português já reconheceu que a crise climática é uma emergência, consciência que foi materializada numa Lei de Bases do Clima. A Lei propõe uma transição energética justa rumo à neutralidade carbónica, em 2045, diminuindo e compensando as emissões de gases de efeito de estufa (GEE), enquanto protege trabalhadores e garante a criação e a requalificação do emprego.
Não só 2045 é tarde demais para impedir as consequências brutais do aquecimento global, como não se verifica qualquer transição energética justa! A própria Lei já está em incumprimento. Transitar para uma economia verde implica mudanças drásticas na produção e distribuição de mercadorias, a começar pela energia, uma renovação profunda do setor residencial que erradique a pobreza energética e a utilização massiva de transportes coletivos e menos emissores. O capitalismo, sistema em que a economia é movida pela perspetiva de lucro de uma minoria, é incapaz dessa transição, pois cada capitalista tem de defender a manutenção e crescimento dos seus lucros, tenham eles origem em investimentos fósseis ou não. Quando as empresas descarbonizam, são os trabalhadores que pagam a fatura, como no caso do encerramento da refinaria da GALP em Matosinhos ou da central a carvão da EDP em Sines, em que os trabalhadores foram deixados sem emprego nem soluções. O incumprimento da Lei de Bases do Clima é só mais uma demonstração que leis e declarações de emergência dos governos da classe dominante não alteram a natureza destrutiva deste sistema.
Se o mercado “livre” da desordem e da defesa da propriedade privada é incapaz da transição justa, a planificação económica com propriedade pública dos meios de produção e distribuição, em que as decisões são tomadas pela classe trabalhadora – a maioria da população que tem interesse no fim da pobreza, das desigualdades, das opressões e da destruição climática -, é a única forma eficaz de a concretizar! Numa sociedade socialista, o investimento não é feito para o lucro mas para a satisfação das necessidades do conjunto da sociedade.
A juventude mostra a força para lutar
O movimento climático em Portugal e no mundo, liderado pela juventude, tem mostrado uma combatividade e uma determinação inspiradoras! As ações contra os jatos privados, as ocupações de espaços escolares por estudantes com a reivindicação principal de “Fim aos combustíveis fósseis até 2030!” e o bloqueio previsto do terminal de gás natural liquefeito (GNL) da REN no porto de Sines por “eletricidade 100% renovável e acessível até 2025” são exemplos dessa determinação e de um confronto cada vez mais dirigido à classe capitalista e aos seus lucros.
Essas ações devem servir também para aumentar a solidariedade entre ativistas e trabalhadores e envolver ao máximo a classe trabalhadora na luta pelo clima. As ocupações estudantis e as greves pela escola pública são uma excelente oportunidade para unir estudantes e trabalhadores em luta por um futuro melhor! O bloqueio do terminal de GNL deve ser feito com os próprios trabalhadores, que deverão dirigir a conversão dessa e outras infra estruturas fósseis no seu interesse.
Unidos somos mais fortes
Pelo mundo fora encontramos exemplos de como a classe trabalhadora é a chave para as mudanças necessárias para um futuro sem destruição climática e com justiça social.
Na Bélgica, em outubro passado, ativistas climáticos bloquearam as infraestruturas da TotalEnergies sob o slogan “Código Vermelho”, contactando diretamente a delegação sindical local, defendendo que são os trabalhadores que devem dirigir a transição e ainda expressando mensagens de solidariedade com os grevistas em França.
Na Alemanha, durante a greve climática global a 3 de março, ativistas climáticos e trabalhadores dos transportes públicos entraram em greve “We Ride Together” juntos. Em pelo menos 30 cidades, ativistas climáticos visitaram piquetes de trabalhadores e fizeram-se manifestações conjuntas. Estima-se que um total de 200 mil pessoas tenha participado dos protestos em todo o país. Um sistema de transporte público mais amplo e acessível é uma das medidas centrais para alcançar a proteção climática socialmente justa.
Em França, os trabalhadores das centrais de energia entraram em greve com as palavras de ordem “a energia não é uma mercadoria e sim um bem essencial cujo acesso deve ser garantido a todos”. Nas ações “Robin dos Bosques” (ver pág. 3) cortaram a energia a bairros ricos, prédios governamentais e grandes empresas, e tornaram-na gratuita ou baixaram a tarifa nos bairros de trabalhadores, escolas e hospitais. A transição justa requer mudanças na produção e distribuição de energia que só os trabalhadores do setor podem concretizar. A propriedade pública do setor energético sob controlo operário deve ser parte fundamental do programa pela justiça climática.
De fato, a conversão industrial faz-se quando a classe que detém os meios de produção o deseja, mas apoiada no know-how dos trabalhadores. Por muito boas que sejam as nossas ideias, quem possui os meios de produção é que decide. As ações “Robin dos Bosques” mostram que se forem os trabalhadores a deter os meios de produção, todas as transformações são possíveis.