Combater a extrema-direita em Portugal e no mundo

Por Cristina e Vanessa

– Artigo publicado no jornal número 4 (Janeiro/Fevereiro 2024) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –

A contaminação da extrema-direita alastra-se pela Europa e pelo mundo

Meloni, Purra, Orbán, Duda, Wilders, Milei, Bolsonaro, Trump. Ao longo dos últimos anos, estes nomes entraram no nosso quotidiano levados ao colo por media parciais e degradados pelo grande capital (solidariedade com os jornalistas em greve!). Na Itália, na Finlândia, na Hungria, na Polónia e nos Países Baixos, a extrema-direita foi recentemente eleita para liderar o governo ou a presidência. Em França, na Alemanha, na Áustria, na Eslovénia, na região flamenga da Bélgica e na Suécia, a extrema-direita tornou-se a segunda força partidária. Para as eleições do Parlamento Europeu, já próximas, as sondagens indicam que esta poderá ter a maior representação da sua história.

Na América Latina, Milei venceu as eleições presidenciais argentinas e no Brasil a extrema-direita está longe de estar derrotada, prometendo voltar, senão com Bolsonaro, com um seu sucessor. Na Bolívia, no Chile e no Peru, que viveram períodos recentes de agitação social e de mobilização da classe trabalhadora, a extrema direita é uma das maiores forças eleitorais. Nos EUA, o processo judicial não consegue manter Trump fora dos palcos de campanha, pois ainda é o favorito dos republicanos. As preocupações com a economia deram-lhe um impulso que será difícil de combater.

Estes partidos de extrema-direita são partidos que têm reuniões secretas com grupos neonazis, em que discutem planos de deportação em massa; são partidos com uma estreita ligação com a polícia, o exército e grupos paramilitares, e são sempre financiados generosamente por grandes capitalistas.

Nos países em que estes já tomaram o poder ou já têm uma grande influência, verifica-se cortes nos serviços públicos, redução dos subsídios sociais, empobrecimento de largas camadas sociais e congelamento total do investimento estatal em obras públicas: infraestruturas, hospitais, centros educativos e habitação social. Ou seja, os trabalhadores são mais explorados em favor do capital, com a privatização de todos os serviços não mercantilizados. A negação das alterações climáticas garante que a degradação ambiental e os desastres aumentarão. A posição anti-aborto e contra os direitos LGBTQI+, em aliança com as instituições religiosas, ameaça reverter as conquistas do movimento feminista e LGBTQI+. A limitação da entrada e vivência de imigrantes representa uma tragédia humanitária que só serve para aumentar a exploração desses trabalhadores. O domínio do capital dos países imperialistas sobre os neocoloniais é obviamente mantido pela extrema-direita, que governa em serviço direto à ordem imperialista.

Porquê este crescimento?

A crise económica de 2008 trouxe uma mudança de atitude das massas em relação ao sistema capitalista – as políticas de austeridade e o crescimento da desigualdade e da precariedade levaram à viragem eleitoral à esquerda de amplos sectores da juventude e dos trabalhadores e da radicalização das lutas sociais e dos trabalhadores. A crise do custo de vida, as alterações climáticas, a guerra, a crise da habitação, a pobreza alimentar, a insegurança no emprego e a crescente desigualdade demonstram a falta de um futuro sustentável neste sistema. À medida que é revelada a incapacidade do capitalismo resolver qualquer uma destas crises, as instituições do sistema e os partidos políticos tradicionais perdem apoio.

As formações reformistas de esquerda subiram em popularidade mas, pela sua estratégia de conciliação de classes e ministerialismo, onde chegaram ao governo não alcançaram reformas estruturais na vida das massas trabalhadoras. A pequena burguesia acaba esmagada pelo grande capital, contra o qual é impotente e, face à incapacidade da classe trabalhadora sob a direção da esquerda reformista em mostrar uma solução contra o capital, a pequena burguesia vira-se em desespero contra quaisquer ganhos da classe trabalhadora. 

A falta de uma alternativa política combativa e revolucionária da classe trabalhadora abre caminho ao crescimento dos partidos populistas de direita. Dentro da base de massas das novas formações de extrema-direita, encontram-se assim uma parte substancial da pequena-burguesia urbana e rural, abalada pela instabilidade política, pelo empobrecimento e pela perda de estatuto social, bem como uma quota parte da classe trabalhadora, desiludida com as políticas reformistas. Há também uma viragem dos partidos tradicionais de direita em direção à extrema-direita, como os Conservadores no Reino Unido, o PP no Estado Espanhol ou a direita em geral em França, partindo desde logo do próprio Macron. Esses partidos adotam políticas mais reacionárias, promovendo diferentes formas de opressão, como o racismo, a xenofobia, o sexismo, a LGBTQI+fobia, e recuperam os antigos símbolos de propriedade, família e tradição, além de uma hostilidade raivosa contra a esquerda. Em vez de culparem o sistema, procuram distrair, dividir e culpar diferentes setores da classe trabalhadora pela crise. 

Em Portugal, ocorre o mesmo padrão: o Chega, fundado em abril de 2019, surge na sequência de uma geringonça que pouco alcançou (como o editorial esclarece mais detalhadamente). O Chega emerge de uma Direita em crise, dando respostas mais fáceis e contundentes ao desespero da pequena burguesia reacionária que o PSD e o CDS. Tem crescido sobre a crise das condições de vida, na base de ser um partido diferente dos que já foram testados, do discurso contra a corrupção que o próprio pratica e de um apelo anti-sistema que a Esquerda perdeu ao pretender ser uma boa gestora do capitalismo. 

As camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora atingidas pela crise da inflação são atraídas pelas respostas fáceis do discurso populista do Chega, que aproveita a oportunidade para semear divisões dentro da classe trabalhadora com um discurso racista contra os imigrantes, oferecendo um bode expiatório, ao mesmo tempo que afirma repulsa pelas instituições. A composição interna do proletariado europeu modificou-se e o peso dos trabalhadores imigrantes aumentou, ocupando os escalões mais baixos dentro da classe trabalhadora e sujeitos a todos os tipos de abusos que são tolerados pelos grandes sindicatos e pelos governos. Os migrantes ganham menos um quinto do que os trabalhadores nacionais nos países de rendimento elevado, o que é utilizado pelos patrões para minar os direitos laborais, afundar ainda mais os salários todos e generalizar a precariedade. A extrema-direita está intimamente ligada a essas camadas da burguesia que vêem na sobreexploração dos imigrantes uma forma de aumentar os seus lucros e de dividir a classe trabalhadora como um todo.

A violência e o ódio que semeiam

O aumento da popularidade dos partidos de extrema-direita encoraja a ala mais “radical”, grupos fascistas que se baseiam em tácticas de intimidação e ataques físicos contra imigrantes, refugiados e pessoas LGBTQI+. Tem havido um aumento dos crimes de ódio, inclusivamente em Portugal; só no Estado espanhol, os crimes de ódio contra pessoas LGBTQI+ aumentaram 76,6% em 2022. Em Lisboa, Porto, Braga e Santarém, durante as últimas semanas, grupos extremistas têm afixado cartazes contra a presença de muçulmanos na Europa, e tentam organizar uma marcha de protesto contra os imigrantes e os muçulmanos pelas ruas do Martim Moniz para 3 de fevereiro, contra a qual todos nos devemos organizar e mobilizar! É importante que todas as organizações de esquerda e da classe trabalhadora mobilizem para mostrar que somos mais fortes e que os fascistas é que devem ter medo de cuspir o seu veneno!

Só um movimento revolucionário da classe trabalhadora conseguirá derrotar a extrema-direita! 

A estratégia da esquerda reformista e de partes da burguesia de unir os eleitores em torno de uma formação única, baseada na conciliação de classes, que se oponha aos políticos reacionários nas eleições, votando no “mal menor”, não é capaz de derrotar a extrema-direita. Na Hungria em 2022 esta estratégia falhou redondamente, quando uma coligação de todos os partidos da oposição não conseguiu afastar Orbán. Mesmo quando é conseguida uma vitória eleitoral, como no caso do Brasil com Lula e Alckmin, a estratégia de conciliação de classes é garantia de regresso da extrema-direita, que no Brasil tem cada vez mais força nas ruas. Isto é, votar nos partidos tradicionais instituídos, sem construir um movimento no terreno, não fará desaparecer o perigo da extrema-direita e pode até reforçá-lo num futuro próximo. Precisamos de construir uma alternativa socialista e de esquerda combativa.

No entanto, há exemplos de que é possível ganhar apoio popular para uma alternativa de esquerda, com um programa combativo. A candidatura de Mélenchon e da France Insoumise às eleições francesas de 2017 e 2022 mostrou o potencial das políticas de esquerda para ganhar apoio e tirar espaço à extrema-direita. Apesar de não oferecer um programa socialista completo, o seu manifesto incluía a redução da idade da reforma, o aumento do salário mínimo, o congelamento dos preços dos alimentos e dos combustíveis e a tributação dos ricos. No entanto, uma boa campanha eleitoral, e mesmo uma grande luta de massas como a que teve lugar em França em 2023, não são suficientes para derrotar a extrema-direita em definitivo, pois as condições materiais que lhe dão origem, que são as capitalistas, permanecem.

Precisamos de construir um movimento unido em torno de um programa de ação que possa reunir pessoas da classe trabalhadora de todas as origens, mostrando a luta para melhorar o nível de vida de todas as pessoas da classe trabalhadora e que confronte diretamente o capitalismo com o objetivo de o superar. Isto pode expor a falta de soluções reais oferecidas pela direita e a sua agenda anti-classe trabalhadora e divisionista. Temos também de liderar a luta contra todas as formas de opressão, instrumentos do capitalismo, e devemos associar as reivindicações de direitos democráticos às reivindicações económicas, como, por exemplo, o direito à autonomia do corpo e as exigências para aumentar o financiamento do serviço nacional de saúde. Mas em cada luta devemos ser claros quanto ao caráter reversível de qualquer reforma conquistada e quanto à necessidade de superar o capitalismo e a sua lógica de lucro para poder de facto usar os recursos ao serviço das necessidades sociais e ambientais.

Face à ofensiva da extrema-direita e de grupos fascistas, temos de construir campanhas de luta que reúnam trabalhadores e jovens de todas as origens, ativistas anti-racistas, dos direitos LGBTQ+ e feministas e sindicalistas. Isto deve ser usado para ligar diferentes lutas e construir um movimento unido da classe trabalhadora contra a extrema-direita, o capitalismo e a opressão. A autodefesa proletária é essencial para a nossa segurança, confiança e organização! No entanto, a luta contra o fascismo não será resolvida pelo peso numérico do proletariado, mas pela capacidade da sua vanguarda em construir uma organização revolucionária comprovada e com uma influência decisiva entre as massas.

Como escreveu Lenine em 1913: “O proletariado não pode prosseguir a sua luta pelo socialismo e defender os seus interesses económicos quotidianos sem a aliança mais estreita e plena dos trabalhadores de todas as nações em todas as organizações da classe trabalhadora, sem excepção”.