– Artigo publicado no jornal número 2 (Setembro/Outubro 2023) da Alternativa Socialista Internacional em Portugal –
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das mais importantes conquistas da revolução de 1974-75, garantia de igualdade no acesso à saúde, gratuita e universal, e fonte de progresso social. No entanto, nas últimas décadas, e sobretudo desde a grande crise financeira e das dívidas iniciada em 2007, os capitalistas em Portugal vêem na Saúde um setor em que o capital privado tem potencial para crescer e recuperar os seus lucros.
De fato, globalmente hoje os cuidados de saúde são dos setores económicos mais rentáveis. Cerca de 10% do PIB global está ligado à Saúde, com rendimentos estimados acima dos 60 biliões de dólares em 2023 a crescer cerca de 10% ao ano. Em Portugal, as despesas anuais com saúde no setor privado subiram de 5.5 para 8.7 mil milhões de euros só nos últimos 10 anos.
Para permitir a corrida ao lucro, usando a mentira da poupança orçamental, sucessivos governos, incluindo o atual, subsidiaram os grupos privados de saúde e subfinanciaram o SNS. Este desinvestimento reflete-se na desvalorização dos profissionais de saúde pública, na carência de equipamentos e na inadequada resposta aos cidadãos, seja nos cuidados de saúde primários, seja nos cuidados hospitalares.
Os Hospitais Públicos e os Centros de Saúde enfrentam dificuldades mortais pela falta de investimento e respectiva execução pelo governo, que por sua vez distribui quase metade do orçamento do estado destinado à saúde ao setor privado. Porém, sabemos que continua a ser o SNS a assegurar a formação médica e a maioria dos cuidados essenciais do país, como se pôde verificar durante a epidemia de Covid-19. Para o capital, a saúde é e será sempre uma mercadoria, não um direito democrático! Privilegiará sempre os tratamentos caros em detrimento da prevenção e do atendimento universal.
· Mais de um milhão e 600 mil utentes não tem acesso a um médico de família e enfrenta a necessidade de recorrer às urgências hospitalares, com cada vez pior atendimento, ou ao setor privado, se tiverem a possibilidade de o pagar.
· Os profissionais de saúde do SNS são obrigados a trabalhar longas horas extra, o que resulta em cansaço acumulado e aumenta o número de baixas por exaustão.
· A falta de investimento nas carreiras e nas condições de trabalho leva profissionais altamente qualificados a optar pelo setor privado, o que permite o crescimento dos grandes grupos empresariais e perpetua o ciclo de escassez de recursos humanos no SNS.
· Equipas inteiras são extintas e serviços fecham devido à falta de profissionais e de investimento, prejudicando gravemente quem depende desses serviços.
No entanto, a luta dos trabalhadores em defesa do SNS vem-se intensificando em 2023 de forma inspiradora, com greves de vários setores de profissionais de saúde, reivindicando sobretudo valorização salarial, limites anuais para horas extraordinárias e compensação para dedicação exclusiva ao SNS. Em particular, nos últimos meses tanto a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) como o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) convocaram greves a nível nacional devido à ausência de uma resposta do governo às reivindicações sindicais. Para além disso, tem havido manifestações relevantes a pretender juntar os utentes e os trabalhadores da saúde na defesa do SNS à escala nacional, quer através do movimento Mais SNS a 3 de Junho, quer pela CGTP a 20 de Maio, havendo agora nova iniciativa da CGTP marcada para 16 de Setembro.
Para pressionar o Governo e defender e reforçar o SNS e o seu caráter público, universal e gratuito, devemos construir um movimento massivo que una trabalhadores da saúde à restante classe trabalhadora e aos utentes em geral. As reivindicações em defesa do SNS devem ser reivindicações de todos os profissionais de saúde e as greves devem ser unitárias, construídas por todos os trabalhadores da saúde pela base. A eficácia das greves pode ser aumentada pelo envolvimento e a solidariedade de outros setores da classe trabalhadora. Temos visto ao longo deste ano fortes greves dos funcionários judiciais, bem como dos setores da educação e dos transportes. O planeamento e escalamento de greves intersetoriais, em defesa do SNS e dos serviços públicos, poderá ser fundamental para ganhar as batalhas que se travam.
No entanto, há que ter em conta que a capacidade do Estado reforçar o SNS está enfraquecida pelo próprio crescimento do setor privado. Quanto mais profissionais e recursos os grupos empresariais de saúde conseguem retirar ao SNS, mais capacidade têm para crescer e para continuar a contratar, não permitindo a fixação dos trabalhadores no SNS. Também por isso, a defesa da qualidade do SNS depende da colisão com a propriedade privada no setor. A saúde não pode ser uma mercadoria! Os grandes grupos de saúde privada e todas as grandes infraestruturas de saúde devem ser expropriadas, para utilização dos seus recursos no SNS. Só através da propriedade pública e da organização do SNS pelos próprios trabalhadores se poderá garantir boas carreiras e meios humanos e técnicos para o SNS fornecer cuidados atempados, gratuitos e de qualidade a toda a população!